quinta-feira, 24 de abril de 2008

CASO ISABELLA

Megashow da vida, do Fantástico ao ato de fé do padre Marcelo

Por Alberto Dines

Três milhões de pessoas compareceram no feriado da segunda-feira (21/4) ao autódromo de Interlagos para celebrar os 10 anos de atuação evangélica do padre Marcelo Rossi.
Entre os presentes à missa-show, devidamente filmada e fotografada, Ana Carolina Oliveira, mãe da menina Isabella Nardoni, assassinada há três semanas, e os 18 amigos do sacerdote-menestrel, todos cantores-campeões de vendas. Inclusive Xuxa & Sacha.
Na noite anterior, no programa Fantástico, os patéticos depoimentos do pai e madrasta, indiciados um dia antes pelas autoridades policiais como autores do assassinato da filha e enteada. Disseram o que queriam dizer. Uma telenovela sem roteiro, rigorosamente encenada pelos advogados de defesa, galvanizou o país. Na segunda-feira, o Jornal Nacional repercutiu.

Cautela seletiva

A espetacularização da dor não é só da mídia. É fenômeno de um mundinho incapaz de suportar tragédias por muito tempo – e, por isso, tão necessitado de alívios imediatos.
A mídia, sobretudo a TV, usa o sofrimento para driblar o sofrimento. Quanto mais instantâneas as catarses, mais intensidade transfere-se para o espetáculo.
A mesma pressa em purgar o padecimento impede que sejam mantidos os ritos da justiça. A sociedade brasileira está tomada pela gana de linchar. Quer sentenças na marra, sumárias.
Antes do indiciamento os dois principais suspeitos já estavam formalmente acusados. Indiciados, já estão automaticamente condenados. Ninguém se dá ao.
trabalho de acrescentar o usual adjetivo atenuador, "suposto". Este tipo de cautela reserva-se aos grandes patifes e aos estelionatários de alto bordo. Paulo Maluf é um suposto corrupto, pronto, o código de ética está atendido. Criminosos bárbaros não merecem o benefício da dúvida.

Queimar etapas

É verdade que são extremamente frágeis os álibis e as explicações dos acusados. Dificilmente aparecerá um Terceiro Homem ou Terceira Mulher para salvá-los. Não há lugar para uma testemunha-bomba ou homem-chave. Os peritos é que darão a palavra final (se já não a deram).
Mas até o momento em que este texto está sendo redigido (1h de 22/4), Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá têm o status jurídico de indiciados. O processo ainda não foi entregue ao Ministério Público, a prisão ainda não foi decretada.
Portanto, não são réus. Não se trata formalidade, mero protocolo. São cláusulas do Estado de Direito. Uma imprensa responsável, que tanto reclama quando suas prerrogativas são ameaçadas, deveria cuidar-se para não cometer abusivos atropelos nos procedimentos.
Assim como a ministra Dilma Rousseff achou legítimo antecipar a campanha eleitoral e classificou como "comício" a cerimônia de lançamento de mais um projeto do PAC, assim também grande parte da mídia resolveu queimar etapas colocando os indiciados no banco dos réus.
A presença da mãe de Isabella no ato de fé do padre Marcelo Rossi, antes mesmo da missa do 30º dia de sua filha, não é fruto da nossa inclinação para a religiosidade. É resultado da nossa vocação para esquecer liturgias.


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