Brincando em cima daquilo
Por Carlos Brickmann em 20/03/2012 na edição 686
Em Amsterdam, cidade plana, o transporte por bicicleta é eficiente, saudável e divertido. Em Estocolmo, cidade plana, muita gente vai trabalhar de bicicleta. Em São Paulo, um “mar de morros”, é um pouco mais difícil: subir do Parque do Ibirapuera até a avenida Paulista, pouco menos de um quilômetro, é uma experiência dramática. Um ciclista bem condicionado, com bicicleta italiana feita sob medida, festejou o dia em que conseguiu subir esta ladeira. Para ele, que pedala mais de 40 km nos fins de semana, foi um feito notável.
E o cidadão comum? Está na moda elogiar a bicicleta como meio de transporte – mas, em São Paulo, bicicleta só é meio de transporte em determinadas vias, paralelas aos rios ou que sigam a linha do alto dos morros. E talvez não seja uma experiência tão saudável pedalar ao longo de rios tão poluídos e malcheirosos.
É politicamente incorreto dizer o que disse este colunista. Politicamente correto é dizer que bicicleta não polui, faz bem à saúde, ocupa menos espaço que os carros e, com frequência, é mais veloz que a média dos veículos particulares. Acidentes? A culpa não é da falta de espaço das vias, jamais é de eventuais imprudências de ciclistas: é sempre de algum motorista feroz. E cita-se como exemplo – a citação foi feita por um colunista de prestígio – um vereador paulistano que há quase dois anos vai de bicicleta para o trabalho. Só que – a citação agora vai entre aspas – “ele tem a ajudinha providencial da PM em seu trajeto”. Melhora bem, né? Com batedores, até um caminhão ultrapesado chega rápido ao destino. O mais engraçado é que os meios de comunicação entram no debate como se se tratasse de algo viável como transporte para grandes massas.
Há gente dedicada à bicicleta, gente que tem de ser respeitada. A fotógrafa Renata Falzoni, madrinha dosnight bikers, é uma: reúne um grande grupo de bicicleteiros para pedalar à noite, quando o trânsito é mais leve, e o próprio número de participantes assegura que a turma não precise temer assaltos. Os grupos proliferaram e hoje existem em toda a cidade. Mas não se trata de transporte: os night bikers passeiam e se divertem. Soninha, a musa do PPS paulistano, anda normalmente de bicicleta. No caso dela, é transporte; mas ela equacionou boa parte de sua vida em torno do meio de transporte que prefere.
Este colunista não sabe andar de bicicleta, mas gostaria de saber (antes que os voluntários apareçam, já passou da idade de se arrebentar no chão). Está consciente das vantagens do exercício, do divertimento; acha que a Prefeitura paulistana faz bem ao ampliar as ciclovias e ao buscar maneiras mais eficientes de garantir a segurança dos ciclistas; acha que o policiamento de trânsito deve ser implacável com motoristas ou motociclista que desrespeitem quem ocupa os veículos mais leves. Mas quando os meios de comunicação discutem a bicicleta como alternativa de transporte para centenas de milhares de pessoas, estão contando só um pedacinho da história. Não contam, por exemplo, que é mais fácil subir do Parque do Ibirapuera até a avenida Paulista a pé do que de bicicleta.
Pedestres compulsivos, voluntariem-se!
A ética na escola
A demissão de Édson Flosi da Faculdade de Jornalismo Cásper Libero, em São Paulo, é um momento triste da profissão. E triste por dois motivos:
1. Uma escola que, entre outras cadeiras, ministra Ética, deveria ter vergonha de demitir, por motivo de doença, um professor que há 16 anos ensina na faculdade (aliás, a demissão deve ser ilegal; mas isso a Justiça dirá. Já a atitude de demitir um professor porque está doente vai doer na consciência de quem tomou a decisão e aí não há tribunal que conserte a esse tipo de estupidez);
2. Édson Flosi é um jornalista com ampla e proveitosa passagem nos meios de Comunicação. Esteve naFolha de S.Paulo, no Jornal da Tarde, em O Globo. E os meios de comunicação demoraram muito a reagir à história torpe da demissão – isso quando reagiram. Muita gente noticiou o lançamento do livro de Flosi,Por trás da notícia, mas se omitiu diante da coisa horrorosa que fizeram com ele. Se não houvesse manifestações de estudantes, que os meios de comunicação registraram, o fato teria passado praticamente em branco.
Vale o escrito
Quando o governo brasileiro acertou com a Fifa a realização da Copa do Mundo no Brasil, assinou uma série de contratos e documentos. Não tem sentido que agora, tantos anos depois, ainda haja discussões sobre, por exemplo, a venda de bebidas alcoólicas nos estádios em que houver partidas da Copa. A discussão só existe porque a imprensa vem se omitindo ao longo do tempo: quais contratos foram assinados? Que é que estipulam?
Sabemos que os estádios para a Copa devem ter determinados parâmetros de conforto, de telecomunicações, de visibilidade, de capacidade de público. O resto ficou meio sumido. Só sabemos que a venda de bebida alcoólica faz parte dos contratos porque a cervejeira americana Anheuser-Busch é patrocinadora da Copa. Mas há coisas mais curiosas: é verdade que, de acordo com os contratos já assinados, o governo brasileiro fica responsável por prejuízos causados por causas naturais? Uma chuva forte, que alague o campo e torne o jogo impossível, fará com que o governo seja obrigado a indenizar a Fifa? Isso existe?
Se depender de nossos meios de comunicação, a Copa chegará e passará sem que esses fatos cheguem ao conhecimento público. Se é para a gente não saber o que acontece, por que gastar dinheiro na compra de informações?
Silêncio estridente
O excelente repórter Agostinho Teixeira, da Rádio Bandeirantes de São Paulo, tem divulgado sucessivos furos de reportagem: entre outros, negociou dinamite com um cavalheiro preso em Fortaleza, que mandava entregar a encomenda a domicílio, em qualquer local do país. Agora, entrou na área médica: no Guarujá, litoral chique do estado, um garoto ficou com dor de ouvido à noite. A mãe o levou ao pronto-socorro e lá o médico a informou de que não poderia examinar o menino porque o aparelho, o otoscópio, estava sem pilha. E qual seria a pilha: alguma daquelas baterias especiais, com encaixes específicos? Não: uma pilha média – tamanho C, se este colunista não se engana. O médico não parecia nem um pouco preocupado: faz tempo que pedimos a pilha, o governo não manda e o aparelho está parado. A mãe foi procurar uma pilha para comprar, mas as lojas já estavam fechadas. Alguém se lembrou de que o filho tinha um brinquedo com uma pilha daquelas e a cedeu. A mãe voltou ao pronto-socorro e o médico atendeu, além de seu filho, outro garoto com o mesmo problema.
Teixeira ouviu o comando do pronto-socorro, as enfermeiras, e todos confirmaram: como não havia pilhas e o governo não as enviava há meses, o aparelho estava parado. Alguém havia reclamado com os jornais, por exemplo? Não: todos se limitavam a dizer que não examinariam ouvidos por falta de uma pilha baratinha. O governo, a propósito, prometeu ligar mais tarde para informar o que acontecia e, naturalmente, esqueceu o assunto.
Por que os demais meios de comunicação não repercutiram o assunto? O caso da dinamite, e outros casos divulgados pela emissora, também não ganharam suite em outros veículos. Terão cortado, para economizar, os eficientes radioescutas que acompanhavam o noticiário do rádio? Ou será que, por preguiça, preferem pegar pautas já em texto, para não ter o trabalho de entender do que se trata nem de transcrever o áudio?
Cultura em alvenaria
É um endereço nobre, por vários motivos:
1. Fica no Pacaembu, um bairro valorizado de São Paulo;
2. É uma casa excelente, sólida, ampla, arejada, ensolarada, de bom gosto, num terreno de bom tamanho, arborizado;
3. Pertenceu a um dos grandes intelectuais brasileiros, o professor Sérgio Buarque de Holanda (e nela cresceram astros como Chico Buarque e Miúcha, artistas cult como Cristina e Ana de Hollanda).
A casa foi comprada pela prefeitura paulistana em 2007, reformada inteiramente ao custo de pouco mais de R$ 400 mil, e está vazia. Dizem que lá será instalado o Centro de Referência em Estudos de Educação. Quando? Ainda não há data, segundo informações oficiais. Isso, claro, se não houver mudança de planos: na época em que foi comprada, a casa deveria transformar-se num centro cultural, mas depois virou o centro de referência – um dia, talvez, quem sabe?
A imprensa brasileira é tão boazinha! Pois, a julgar pelo número de centros culturais e espaços culturais, São Paulo já bateu Paris, Nova York e Londres juntas. Cada prédio público que deixa de ser utilizado vira espaço cultural. Alguns até realizam sua função, mas muitos aguardam cultura pra botar lá dentro. Haja acervo para tanta sapiência acumulada!
Pena que às vezes o material disponível esteja menos disponível do que deveria. Há alguns anos, este colunista procurou o acervo do urbanista Prestes Maia, que foi prefeito emérito de São Paulo e formulou o Plano de Grandes Avenidas. Ninguém sabia onde estava. Comenta-se que, em certa época, estava numa determinada casa (desculpe, espaço cultural) e, algum tempo depois, a casa entrou em reforma e o acervo foi movido sabe-se lá para onde.
O problema é que os meios de comunicação entram no assunto na hora em que o edifício deixa de ter a função antiga. Noticiam então que vai virar um espaço cultural, ou centro cultural, ou alguma coisa cultural. E pronto: ninguém vai ver se virou mesmo um prédio a serviço da cultura. Aliás, dá uma boa pauta: procurar uma série de espaços destinados à cultura da cidade e ver como estão sendo utilizados – isso se estiverem sendo utilizados, e não apenas abandonados.
Bons livros, boas memórias
1. O professor Ari Macedo, excelente pessoa, cultuado pelos alunos da Unifieo, lançou Osasco das Memórias, retomando a história de um dos maiores municípios de São Paulo. Vale a pena – como tudo o que Macedo faz.
2. Marcelo Itagiba, advogado, ex-deputado, ex-secretário da Segurança do Rio, lança nesta terça De olho no Rio e no Brasil, no Clube Israelita Brasileiro, Rua Barata Ribeiro, 489, Rio. O livro é uma coletânea de 57 artigos publicados na imprensa, tratando de segurança pública, maioridade penal, uso de algemas. Um livro interessante, de alguém que trabalhou dos dois lados do balcão.
3. Bernardo Sorj lança Vai embora da casa de seus pais, retomando eventos ocorridos em Montevidéu, São Paulo e Israel e refletindo sobre “a riqueza de uma época em que, acreditávamos, era possível sair da casa dos pais para criar um mundo melhor”. Na quarta-feira (21/3), com leitura de trechos do livro pela atriz Priscilla Herreras e uma conversa com o historiador Celso Garvarz, no Centro de Cultura Judaica, Rua Oscar Freire, 2.500, SP, a partir das 20h.
Como...
De um grande jornal, comentando o jogo entre Santos e Juan Aurich:
** “Os santistas (...) viraram o placar com Fucile e Borges”.
Borges fez um gol, o terceiro. Quando estava 1x0 para o Juan Aurich, quem empatou foi Fuciles. E quem marcou o segundo, o gol da virada, foi Ganso.
Cá entre nós, confundir Ganso com Borges é engraçado.
...é...
De um jornal regional, em manchete:
** “Desembargadores é empossados”.
...mesmo?
Do release distribuído por candidatos à diretoria de um sindicato de jornalistas:
** “(...) nos dias (...) aconteçem as eleições (...)”
Assim mesmo, com cedilha antes do “e”.
Mundo, mundo
Um assíduo leitor desta coluna faz a mesma pergunta que consta de uma nota acima: para que comprar notícias?
O leitor, há anos, assina um grande jornal. Um dia, sabe-se lá por que, o jornal cancelou a assinatura de tantos anos por falta de pagamento. O leitor enviou à empresa o recibo do pagamento, mas mesmo assim a assinatura continua suspensa. Antigamente, todas as empresas sabiam que conquistar um cliente é muito mais difícil e mais caro do que conservar um cliente já conquistado; hoje, ao menos para um grande jornal, a política é a mesma dessas empresas campeãs de reclamações, cujo telemarketing “vai estar tomando providências” – e não vai.
“Percebe-se que a identificação dos fatores críticos de sucesso para que uma empreitada seja bem sucedida é falha nos diversos processos que permeiam o negócio jornalístico da empresa”, comenta o leitor. “Assim, o assinante é desrespeitado tanto pela burocracia incompetente como pelo jornalismo, que (com raras exceções), encontra-se, cada vez mais, pobre e superficial. Como o cliente preferencial, aquele quem compra espaço publicitário, não é afetado, o jornal dá uma de Ricardo Teixeira, tratando o assinante como um mal necessário”.
Alô, dirigentes de empresas de comunicação: é o caso de pensar no assunto. Lembrem-se de que até o eterno Ricardo Teixeira deixou de ser eterno.
E eu com isso?
O caro colega está preocupado com isso? Então é um dos poucos: qualquer notícia sobre Michel Teló ou Beyoncé tem muito mais público.
** “Selena Gomez quase mostra os seios em gravação”
** “Pepê e Neném participarão como calouras do programa ‘Astros’”
** “Beyoncé passeia por Nova York com a pequena Blue Ivy nos braços”
** “Famosos parabenizam Carol Sampaio”
** “Eva Longoria celebra aniversário com amigos em restaurante”
** “Fernanda Montenegro comparece a prêmio de teatro no Rio de Janeiro”
** “Atriz Neve Campbell será mamãe pela primeira vez”
** “Joana Prado e Belfort levam os filhos ao teatro em SP”
** “Madonna corta a boca e machuca o bumbum durante ensaio de turnê”
** “Famosos prestigiam Alethea Novaes em estreia da peça ‘Dolly’”
O grande título
Uma boa safra semanal, caprichando nos enigmas:
** “Oito das nove crianças deixadas sozinhas em casa por mãe que foi ao bar voltam para casa”
É notável: não apenas foram deixadas em casa como voltam para casa.
Outro da mesma estirpe:
** “Dicas ajudam a entender os homens para viver em paz com o gato”
E um que propõe um enigma que não existe:
** “Custo das Olimpíadas só será sabido após evento, avisa presidente da empresa olímpica municipal”
Claro que a gente sabe o custo das Olimpíadas: é bem maior do que deveria.
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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]