terça-feira, 4 de agosto de 2009



Verbo Solto
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Uma pergunta para a imprensa: e daí?
Postado por Luiz Weis em 3/8/2009 às 9:09:08 PM



Se a imprensa fosse uma forma de medicina, a sua especialidade seriam crises agudas e não doenças crônicas.

Notícia, em sentido estrito, é o acontecimento que irrompe, não a situação conhecida que prossegue – embora raramente sejam claras as fronteiras entre o novo e o velho.

Quando apresenta as conexões de uma coisa com a outra, o jornalismo vai além de sua função primária de dar as últimas. Nessas ocasiões, se distingue como fonte de transmissão de conhecimentos e não apenas de informações pontuais, singulares.

A sua dificuldade hoje em dia é conciliar a função de pôr os fatos em perspectiva, em histórias mais elaboradas e mais extensas, com um público cuja capacidade de concentração pode ser medida, no limite, pela consagração da brevidade do Twitter, em seus já célebres 140 caracteres por mensagem.

Muita gente critica a imprensa pela sua superficialidade, mas na hora do vamos ler a maioria prefere mesmo dar uma passada de olhos nas páginas impressas, detendo-se aqui e ali para dar uma bicada no noticiário. Disso a internet dá conta perfeitamente bem.

Se os jornais entregarem os pontos, tornando-se ainda mais superficiais, aí sim se cumprirá – por si própria – a profecia da sua irrelevância, quando não do seu desaparecimento.

O oposto da superficialidade, em todo caso, não é a pretensão de explicar o mundo a cada edição, nem transformar matérias em monografias, mas dar um passo adiante na busca do “e daí?” dos fatos ostensivos.

O que se quer dizer com isso está na Folha da segunda-feira, 3. Na primeira página do caderno “Dinheiro”, o jornal publica uma arrumada reportagem sobre o crescimento do mercado de automóveis, mais intenso em outras regiões do país do que no que no Estado de São Paulo.

Pensando bem, era de esperar. São Paulo só perde para o Distrito Federal em matéria de habitantes por carro (5,1). Em Pernambuco, por exemplo, a relação é de 17,9. Na Bahia, 23,9. À medida que a renda nacional começa a se desconcentrar, é lógico que as vendas de autos cresçam proporcionalmente mais nos Estados onde é menor a parcela motorizada da população.

O jornal poderia ter se limitado a contar essa história, com o caso “humano” de praxe e os números que a resumem – nos últimos anos, enquanto o comércio de carros cresceu em São Paulo 2,3 vezes a menos do que a média nacional, no Ceará, por exemplo, o crescimento foi 1,7 a mais.

Mas alguém teve o estalo de acrescentar ao relato dessa tendência uma sacada sobre os seus efeitos. Daí resultou a matéria “Trânsito caótico pode chegar a outras cidades”, sobre a propagação da principal doença crônica das metrópoles brasileiras (para voltar à metáfora que abre esta nota).

A matéria flui porque se baseia em declarações de um dos maiores especialistas no setor, o ex-secretário de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, Cláudio de Senna Frederico.

“É só uma questão de tempo e de renda”, diz ele, sobre a disseminação dos engarrafamentos paulistanos, que há pouco alcançaram o recorde de 293 quilômetros de lentidão, num começo de noite.

O ponto forte da previsão é que, até onde a vista alcança, as pessoas continuarão preferindo o transporte individual apesar do imenso tempo desperdiçado nos engarrafamentos. O entrevistado vai além. Quanto menos carros existem numa localidade, raciocina, maior será o ganho de posição social dos que conseguirem comprar o seu. Aí a procura de conforto é reforçada pela busca de status, diferenciação.

“Do ponto de vista urbanístico”, reflete Frederico, “é um terror, mas esse estilo de vida é considerado uma conquista”.

Reparem que não se está falando de nenhuma proeza jornalística, mas de uma pequena diferença que um jornal pode fazer na abordagem de um grande assunto. Chama-se a atenção para o que de outro modo seria uma obviedade porque a imprensa brasileira deixa passar entre os dedos, com uma frequência injustificada, oportunidades corriqueiras de alargar a sua pauta informativa. É esse o jogo que terá de jogar cada vez mais – para não ser derrotada no próprio campo.

CENSURA TOGADA


O silêncio de Gilmar

Por Alberto Dines em 4/8/2009

O paladino da liberdade de expressão, o ministro Gilmar Mendes, preferiu não se manifestar na segunda-feira (3/8) a respeito da decisão do desembargador Dácio Vieira de proibir o Estado de S.Paulo de continuar a veiculação de informações sobre a Operação Boi Barrica que enredou o filho do senador José Sarney e gerenciador dos seus negócios.
O ministro tinha um bom pretexto: na condição de presidente do Conselho Nacional de Justiça, deveria comandar a solenidade de recepção dos novos conselheiros. Contrariando os seus hábitos, foi extremamente comedido: saudou protocolarmente os novos conselheiros, anunciou em termos sucintos as metas do CNJ e louvou o planejamento estratégico "como instrumento indispensável à administração da justiça".
O processo político em frangalhos, o Legislativo achincalhado pelo fisiologismo, o Estado de Direito ameaçado por magistrados ineptos e o presidente da suprema corte adota a postura de um CEO preocupado com a administração dos seus negócios, esquecido dos valores que estão sendo destroçados.
Irrelevâncias, modismos
A censura togada mostra, mais uma vez, que veio para ficar. Um quarto de século depois da redemocratização voltamos ao vale-tudo. Desta vez expresso em juridiquês. Os senadores Fernando Collor e Renan Calheiros, igualmente acusados de improbidade, são proprietários de currais midiáticos em Alagoas, o estado que dividiram entre si. E, no entanto, não pouparam ataques à mídia na vergonhosa sessão de reabertura dos trabalhos legislativos. Como se a imprensa fosse culpada pelos vexames produzidos na Cidadela da Devassidão, também chamada de Senado.
O senador José Sarney declara que em sua longa carreira política jamais processou um jornalista e, em seguida, lê uma nota em que designa o trabalho jornalístico do Estadão como "infamante campanha". Tenta demarcar-se da ação patrocinada pelo filho, o empresário de mídia Fernando Sarney, e, ao mesmo tempo, endossa o ato censório promulgado por um magistrado ligado ao seu clã.
A República vive um de seus piores momentos – a única instituição capaz de salvá-la é a imprensa. Só ela é capaz de despertar a sociedade diante das emergências. Ao mesmo tempo em que distrai o cidadão com a enxurrada de irrelevâncias e modismos, também é capaz de embargar esta avalanche de hipocrisia e cinismo.
Coluna semanal
A censura ao Estado de S.Paulo foi anunciada na sexta-feira (31/7), véspera do vácuo do fim de semana. O jornal agredido protestou com veemência na segunda (3/8), em editorial (ver "
Afronta à democracia"). O Globo e Folha de S.Paulo preferiram esperar, não querem valorizar o competidor.
O triunvirato de jornalões sabe irmanar-se em questões monetárias ou quando investe contra os moinhos de vento da regulamentação. Foi uníssono na liquidação da exigência do diploma e da especificidade do ofício jornalístico, mas não consegue marchar unido em defesa da democracia. Ao recusar a imediata solidariedade a um concorrente revela o seu lado menos nobre, mais corporativo e oportunista.
Neste mesmo triunvirato o papel pior está sendo desempenhado pela Folha. É doloroso perceber que o jornal que em apenas 34 anos tornou-se o mais influente do país sem recorrer a espalhafatosas reformas, apoiado apenas em suas páginas de opinião, em seis meses entregou os pontos. A manutenção da coluna semanal de José Sarney confronta o seu garbo e a sua intransigência em favor do jornalismo independente, livre de compromissos políticos, de rabo preso no leitor.
Haraquiri coletivo
Na sexta-feira (31/7), a Folha foi novamente pisoteada por Sarney ao publicar – pela primeira vez nesta crise – um artigo claramente parcial, demagógico, impertinente, hostil à imprensa e ao clamor da sociedade. O libertário Sarney investiu contra a empresa que edita a Folha de S.Paulo, contra o jornal onde se abriga, contra seus colegas de página e contra os leitores que abominam a sua hipocrisia. Trechos:
** "Hoje com a sociedade de comunicação, os princípios da guerra aplicados à política são mais devastadores do que a guilhotina da praça da Concorde. O adversário deve ser morto pela tortura moral..."
** "Como julgar uma democracia em que não se tem uma lei de responsabilidade da mídia, nem direito de resposta, diante deste tsunami avassalador da internet e enquanto a Justiça anda a passos de cágado? Como ficam os direitos individuais, a proteção à privacidade, o respeito à pessoa humana?"
Impossível ignorar a óbvia existência de um pacto entre o jornal e o seu colunista: ele manteria a sua coluna desde que não a usasse para defender os seus interesses pessoais ou políticos. O pacto funcionou desde o início de fevereiro até a sexta-feira, 31/7.
O político amapo-maranhense, mais uma vez, passou a perna no parceiro, não cumpriu a palavra: usou o jornal para satanizar a imprensa e para vitimizar-se. A esta altura, Sarney faz com a Folha o que bem entende. Acreditou na campanha de assinaturas do jornal pela TV e acha que todos são moscas.
Neste haraquiri coletivo, às vésperas dos 70 anos do início da Segunda Guerra Mundial, conviria parafrasear Winston Churchill: "Nunca tantos se imolaram tanto por tão pouco".

Caso Sarney

A guerra suja no Senado

Por Luciano Martins Costa em 4/8/2009

Comentário para o programa radiofônico do OI, 4/7/2009

O noticiário político de terça-feira (4/8) não surpreende quem ouviu rádio, assistiu aos telejornais ou acessou os noticiários online na segunda-feira à noite. Mas haveremos de convir que a reprodução do bate-boca que se desenrolou no Senado Federal traz um sabor especial ao leitor. Afinal, aquilo que se esperava pudesse ser o funeral da carreira política de José Sarney acabou se revelando a ressurreição de Fernando Collor e a reedição de histórias de mais de duas décadas atrás, quando Tancredo Neves se lançou candidato à presidência da República.
Por cima de tudo, fica a sensação de que a atual crise no Senado é apenas a nova versão de uma velha guerra suja. E que em política nada se cria e nada se renova.
Quando o senador Pedro Simon, que sobrevive no PMDB do Rio Grande do Sul, subiu à tribuna, muitos repórteres viram confirmada a pauta de suas redações, que esperavam o discurso que poderia representar o começo do fim para José Sarney.
Depois de um recesso no qual mal conseguiu respirar, tantas as acusações que lhe foram feitas através da imprensa, esperava-se que o presidente do Senado não tivesse mais forças para resistir e que, finalmente, aceitasse as recomendações para deixar o cargo e salvar o mandato. Mas a tropa de choque entrou em campo e o que se viu foi a guerra aberta.
Fonte de manchetes
O episódio surpreende porque, há dias, editoriais e comentários da imprensa vêm afirmando que José Sarney volta do recesso mais fragilizado do que há um mês. Na véspera, todos os grandes jornais afirmavam que Sarney havia sido convencido a renunciar à presidência do Senado.
Pode ser que a imprensa tenha levado em conta apenas o que publica, e não o que se esconde nos bastidores. Tampouco parece ter dado crédito à opinião dos advogados contratados por Sarney, que consideram relativamente fácil contestar todas as onze acusações encaminhadas ao Conselho de Ética.
Pelo que foi insinuado na tribuna, o punhado de dossiês com que a tropa de choque do presidente do Senado ameaça seus adversários é outra fonte de boas manchetes. Se os jornais estiverem interessados, é claro.
As voltas da História
O retorno de Fernando Collor ao primeiro plano da cena política é outro fato digno de registro. Ele mesmo fez questão de relembrar que foi personagem central de um grande escândalo e da mais longa e penosa escaramuça pelo poder da República desde o processo de redemocratização. Caiu, amargou o ostracismo por oito anos, mas não foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal.
As acusações que mobilizaram os jovens na época e produziram as manifestações pelo impeachment não resistiram à prova da corte, e agora Collor retorna para defender o antigo desafeto, produzindo uma situação inusitada. Afinal, ele foi inventado pela imprensa para evitar que o sindicalista Lula da Silva chegasse ao poder em 1989.
É fato notório que a candidatura de Fernando Collor à presidência da República, na ocasião, foi alimentada por uma série de reportagens na TV Globo, que o apresentavam como o "caçador de marajás" e o paladino contra a corrupção. Depois, ele foi sacramentado por uma "consulta" armada pelo jornal O Estado de S.Paulo no Viaduto do Chá, no centro da capital paulista, da qual o então governador de Alagoas emergiu ungido em "popularidade".
Agora que volta ao centro do palco, anunciando sua disposição de revirar os baús para atacar os inimigos de Sarney, Collor pode se tornar uma pedra incômoda nos sapatos de algumas figuras da imprensa que o ajudaram a se eleger há vinte anos. Não será surpresa se aproveitar a atual crise política para se colocar em condições de disputar novamente a presidência da República.
Quem viver, verá.
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Em busca dos jovens
O Observatório da Imprensa na TV vai mostrar como os jornais e revistas brasileiros estão tentando falar com o público jovem. São cada vez mais comuns os cadernos e títulos de papel voltados para a faixa etária dos 13 aos 20 anos, mas esse público demonstra maior preferência pelos meios digitais de comunicação.
O Observatório da Imprensa vai ao ar nesta terça-feira (4/8) às 22h40, ao vivo, pela TV Brasil. Pela Net, canais 4 (SP), 16 (DF), 18 (RJ e MA); pela Sky-Direct TV, canal 116; pela TVA digital, canal 181.