quarta-feira, 14 de outubro de 2009

ASSASSINATOS DE REPUTAÇÃO

As autoridades abusam, você paga

Por Carlos Brickmann em 12/10/2009


Houve o caso da Escola Base, um clássico de abusos das autoridades, com a feroz colaboração da imprensa; e, quase tão famoso, o caso do Bar Bodega, que agora chega a uma conclusão, com a condenação do Estado a indenizar o acusado preso injustamente, pela acusação fabricada de assalto e assassínio.

O caso ocorreu em 1996. Foram 13 anos de luta judicial, portanto. O Bar Bodega, em São Paulo, foi assaltado. Dois clientes foram mortos. Alguns suspeitos confessaram, depois de "habilmente interrogados"; e ficaram presos preventivamente até que os verdadeiros assaltantes e assassinos foram encontrados.

Um dos acusados, que além de ficar preso perdeu o emprego, moveu processo contra o Estado, por prisão indevida. Embora a prisão preventiva tivesse sido decretada pela Justiça, o Supremo Tribunal Federal decidiu que há "responsabilidade civil objetiva da entidade estatal". O voto do ministro Celso de Mello está aqui.

O caso é importante: pode colocar um freio no hábito de punir o cidadão, antes que qualquer tribunal se manifeste, com o espetáculo da detenção, devidamente documentado pela TV, mais a privação da liberdade por um longo período, com as penas acessórias, sempre impostas à revelia dos processos judiciais legais, de prejuízos materiais elevados e destruição de reputação. Importante: embora, no caso do Bar Bodega, tenha havido denúncias de tortura, não houve como comprová-las. A obrigação de indenizar foi decidida pela prisão do inocente, não por eventuais torturas que tenha sofrido.

É fato, também, que as irregularidades foram cometidas por agentes do Estado, enquanto a conta cairá nas costas do contribuinte – nas suas costas, caro leitor, caro colega. É uma distorção que precisa ser corrigida, para que a conta recaia em quem cometeu os abusos, e não apenas sobre quem paga seus salários. Outra distorção que precisa ser corrigida é a leniência com que se observa, nesses casos, o papel dos meios de comunicação: quem colabora com os abusos deve também responder por isso.



A lembrar

É definida, em lei, a duração máxima da prisão a que um suspeito pode ser submetido. Esta duração vem sendo sistematicamente ignorada. Os presos podem ser esquecidos por muito tempo sem julgamento – e isso é tão nocivo, para o correto funcionamento da sociedade, quanto assassinos confessos e condenados que ficam em liberdade.



Kafka é aqui

Nesse tipo de caso que o Supremo Tribunal Federal acaba de condenar, a passividade da imprensa é espantosa: a defesa padrão, quando se comprova que errou feio, sempre contra os inocentes, é dizer que apenas transcreveu o que disseram as autoridades. Em resumo, confessam que erraram por confiar nas autoridades, quando sua obrigação é desconfiar sempre.

Há pouco tempo, no Rio Grande do Sul, o Ministério Público Federal concedeu entrevista coletiva para comunicar que havia denunciado a governadora do estado, deputados federais e deputados estaduais por improbidade administrativa. Entretanto, não informou quais eram as acusações, alegando "segredo de Justiça". O segredo de Justiça existe, está na lei; só que se refere a casos de segurança nacional ou que envolva direito de família, principalmente nos casos de proteção a menores. E processar alguém sem que se diga o motivo rendeu um livro famoso, de Franz Kafka: chama-seO Processo. Hoje,O Processo virou coisa comum. A imprensa aceita, divulga e bajula os acusadores. E não mostrou sequer o ridículo de uma entrevista coletiva cujo objetivo era negar informações.



Ameaça privada

A viúva de um dos passageiros do Boeing da Gol que caiu após o choque com um Legacy tripulado por dois americanos entrou com um processo contra Joe Sharkey, o jornalista que estava a bordo do jatinho e que é uma das principais testemunhas do acidente. Estranhíssimo: Sharkey é tão vítima do choque aéreo, embora tenha sobrevivido a ele, quanto o marido da senhora que o processa. Era passageiro, não pilotava o avião, não fazia parte da tripulação. Só há uma explicação para o processo: a antiga mania de culpar os porta-vozes pelas más notícias que trazem.

E, cá entre nós, acusar Sharkey de atentar contra a honra do Brasil por ter supostamente dito (ele nega) que somos tupiniquins e atrasados é de doer. Joelmir Beting, sobre cuja ligação com o Brasil não pode pairar a menor dúvida, é um dos que mais se referem às coisas brasileiras como tupiniquins. A candidata Dilma Rousseff também usou a expressão outro dia, para se referir a alguma manifestação de atraso. E quem disse que chamar os brasileiros pelo nome de uma de suas famílias indígenas é ofensivo? No caso, parece mais é preconceito.



Ameaça pública

Na Argentina, quem ameaça a imprensa de que não gosta é a presidente Cristina Kirchner. Pressiona o grupo Clarín, que lhe faz oposição; ameaça estatizar a fábrica de papel de imprensa, numa ameaça de sufocamento dos adversários. Mau sinal: mostra que a situação política, ou econômica, ou político-econômica, vai mal. É nessas horas que os governos costumam voltar-se contra os meios de comunicação, apontados como causadores das más notícias que apenas divulgam.



Ora, bolas!

Não é fácil encontrar um colunista como ele: nos seus tempos de jornal, passeou entre os concorrentesDiário da Noite eÚltima Hora, e sempre carregou junto os leitores de sua coluna humorística "Ora, Bolas!" Também não é fácil encontrar um publicitário como ele: foi quem criou uma série famosa, na Almap, para a cerveja Antarctica, "nós viemos aqui pra beber ou pra conversar?" No marketing político, foi também um homem de êxito, e seu livroComo vencer eleições usando rádio e TV se transformou em referência no ramo. Sérgio Andrade, o Arapuã, morreu há dias, aos 81 anos.

"Ora, Bolas!" ajudou a celebrizar o presidente da Federação Paulista de Futebol, João Mendonça Falcão – aquele que anunciou o jogo do Brasil contra os belgicanos. As piadas de Arapuã sobre Falcão foram usadas, mais tarde, trocando-se apenas o personagem: saiu Falcão, entrou Vicente "quem está na chuva é pra se queimar" Matheus. Falcão podia não ser lá muito alfabetizado, mas era espertíssimo: tanto assim que, em vez de sentir-se ridicularizado pelas piadas de Arapuã, sentiu-se honrado, e encarnou o personagem. Jamais brigou com o colunista. Arapuã escreveu nos jornais enquanto a ditadura ainda não se consolidara; depois, quando seu humor de esquerda passou a ser perseguido, mudou de ramo. Para ele não houve problema: foi um vitorioso por onde passou. Mas nós, leitores, perdemos muito.



Modernidade

O Kindle, aparelho eletrônico de leitura, passa a ser vendido no Brasil pela Amazon – eO Globo lança simultaneamente sua edição digital própria para o Kindle (como diz o anúncio,O Globo pretende estar muito além do papel). Nos Estados Unidos, já há 200 mil e-books próprios para o Kindle, acessíveis por uma rede sem fio. Em português, por enquanto, há quase nada. O Kindle vale pelo jornal, por outros jornais que o adotarem e pela aposta no futuro; e é utilíssimo, neste momento, para quem lê inglês com facilidade. O Kindle está sendo posto à venda em cem países.



Modismo

Já são 179 os parlamentares federais que aderiram ao Twitter – um aumento de 142% em quatro meses. Agora é possível saber que Sua Excelência Fulano de Tal está chegando ao Congresso, ou preparando um discurso, ou almoçando, ou ouvindo o senador Eduardo Suplicy cantar algumstandard de Bob Dylan. É pelo Twitter que sabemos que o governador José Serra diz que gosta dos Beatles.

O número de parlamentares que usam o Twitter cresce explosivamente. E, como diria o poeta, "Para que? Para nada".



Como...

Da edição online de um jornal importante:

** "Sapatos de Imelda Marcos escapa de enchente nas Filipinas"

Assim mesmo: sujeito no plural, predicado no singular. E como é que os sapatos fizeram para escapar sem que ninguém os calçasse?



...é...

Da mesma edição, sobre o mesmo assunto, segue-se o texto:

** "Uma parte da famosa coleção de sapatos da ex-primeira dama das Filipinas Imelda Marcos conseguiu resistir às recentes enchentes que atingiram o país (...)"

Afinal de contas, os sapatos escaparam ou resistiram?



...mesmo?

De um grande portal noticioso:

** "Rio Tietê vai ter redes contra piranhas no interior"

Na foto, duas moças tomando banho num rio.



E eu com isso?

Papel aceita tudo, como garante uma velha definição de jornalismo. E a tela, então? Sem necessidade de gastar papel, que é caro, pode-se escrever à vontade:

** "Kate Hudson palita os dentes em jogo do New York Yankees"

** "Luana Piovani boceja em aeroporto"

** "Britney Spears compra um periquito"

** "Humberto Martins toma um lanche no aeroporto do Rio de Janeiro"

** "Sem dinheiro para comprar zebra, zoo pinta burro"

** "Caminhão atropela casa no RS"

** "Cantor Daniel namora e depois voa de asa delta"

** "Penélope Cruz circula com suposto anel de noivado"

Que será um "suposto anel de noivado"?



O grande título

Este não pode faltar: o título que não coube e entrou assim mesmo. E até ganhou um certo duplo sentido.

** "Frasco `escandaloso´ pisca e emite som para lembrar de tomar"

Há questões armamentistas e, ao mesmo tempo, políticas, mas sempre com um toque meio esquisito:

** "Dassault é privada e definirá se vai transferir tecnologia, diz Jobim"

Que maneira de se referir a uma possível parceira!

O melhor título da semana é doméstico:

** "Márcio Garcia fica todo orgulhoso com exibição de seu curta"

Este colunista é do tempo em que o contrário é que seria verdade.











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NO LLORES POR MI, ARGENTINA...

Kirchners & Chávez: diferenças e semelhanças na relação com a mídia

Por Alberto Dines em 12/10/2009


Convém distinguir generalizações são perigosas: o comportamento do casal Kirchner no tocante à mídia e à liberdade de expressão difere totalmente das opções adotadas pelo venezuelano Hugo Chávez.

A política de intimidação pode assemelhar-se; o modo de acionar os respectivos rolos compressores é diferenciado. Cristina e Nestor Kirchner são políticos experimentados, conservam inequívocos traços populistas e caudilhescos do inspirador do seu partido, Juan Perón, porém mantêm um respeito, ainda que difuso, pelos procedimentos democráticos. Chávez já foi de direita, agora é de esquerda, porém antes de tudo é um militar com ostensivos pendores para a truculência e nenhuma vocação para a negociação política ou para os rituais dos regimes representativos.

Convém acrescentar que no grupo de assessores mais próximos dos Kirchners estão alguns veteranos e brilhantes jornalistas portenhos, com um passado claramente progressista e que jamais poderiam ser acusados de sucumbir às tentações totalitárias.

A nova Lei do Audiovisual foi aprovada na madrugada de sábado com folgada margem pelo Senado argentino. O diário espanhol El País (um dos melhores do mundo, com larga circulação na Argentina) denunciou a estratégia de subornos empregada pelo governo para quebrar a oposição (sábado, 10/10, p.10). Provavelmente está certo, mas a tramitação da lei obedeceu às normas democráticas: foi aprovada pela Câmara e, no Senado, os debates estenderam-se ao longo de 16 horas. Em nenhuma das casas legislativas se produziram alterações nos 166 artigos da proposta original. Nenhum foi vetado – mesmo os mais draconianos e arbitrários.

Autoridade fiscalizadora

É preciso levar em conta que o atual Congresso será substituído em dezembro (como resultado das eleições de junho) por outro claramente anti-Kirchner, o que certamente produzirá regulamentações mais brandas e atenuadoras. Isto sem falar na anunciada batalha judicial através da qual os grupos de comunicação prejudicados – sobretudo o poderoso Clarín e o Uno – tentarão reverter itens mais abusivos.

O mais autocrático, o Artigo 161, dificilmente será mantido ou simplesmente será ignorado, porque foi contestado até por próceres peronistas. O prazo de um ano para que as empresas se adaptem à desconcentração pode ser catastrófico e provocar demissões em massa de jornalistas e técnicos.

Um dado que não pode ser desprezado é que o novo estatuto, pelo menos na aparência, não trata de conteúdo nem visa a controlar a liberdade de expressão. O objetivo é nitidamente desconcentrador. Se os meios de comunicação se assumem fundamentalmente como uma indústria, esta indústria deve ser regulada.

Uma Autoridade fiscalizará a execução da nova lei (tal como na União Européia e nos EUA com a FCC, Federal Communications Comission). Na versão argentina, a composição desta Autoridade favorece claramente o governo: dos seus sete membros, dois são indicados pelo Executivo, dois pelo Conselho Federal de Comunicação (cujos membros são escolhidos pelo governo) e os outros três são apontados pelo Legislativo.

Tratar com a devida eqüidistância

A divisão tripartite dos meios de comunicação (um terço para a iniciativa privada, outro para o governo e o terceiro para a sociedade civil) também é teoricamente desconcentradora, mas na prática pode resultar numa arrumação "chapa-branca", já que os sindicatos podem ser facilmente cooptados pelo oficialismo, antiga tradição peronista. A inclusão de entidades religiosas no terço da sociedade civil deve ser vista como concessão à poderosa igreja católica, extremamente preocupada com a avassaladora invasão das seitas evangélicas brasileiras em canais por assinatura.

As redações dos grandes jornais brasileiros finalmente voltaram a funcionar em horário normal no sábado (10/10) e assim as edições de domingo conseguiram oferecer aquele mínimo de atualidade que se espera dos diários. Embora nossa mídia não esconda sua ojeriza a qualquer medida reguladora, as manchetes podem ser classificadas entre "bem comportadas" a "ligeiramente sobressaltadas".

Globo e Folha ofereceram manchetes objetivas, praticamente iguais ("Senado argentino aprova Lei de Audiovisual" e "Congresso aprova lei de mídia de Cristina"). A do Estadão contrasta com a serenidade do texto ("Kirchners vencem no Senado e aumentam o poder sobre a mídia") [leia aqui e aqui].

Esta é uma "pauta" que a mídia brasileira não pode abandonar e tem a obrigação de tratar com a devida equidistância. A Argentina é logo ali e qualquer tentativa de manipulação provocaria justificadas reações e comprometeria o alto nível do time de correspondentes sediados em Buenos Aires.