terça-feira, 6 de maio de 2008

Professor chama baiano de “burro”

O professor Antônio Natalino Manta Dantas, que coordena o curso de medicina da Universidade Federal da Bahia, foi amarrado no pelourinho porque chamou os baianos de burros. Ele atribuiu o mau resultado da faculdade no teste do Ministério da Educação ao “baixo QI dos baianos” e, como prova da escassa inteligência dos locais, citou a popularização do berimbau. “O baiano toca berimbau porque só tem uma corda. Se tivesse mais, não conseguiria.” Outra evidência da burrice dos baianos é o Olodum, cujo batuque, de acordo com o professor, é um exemplo de primarismo musical.
O chicote cantou – e cantou na melodia do racismo. O Ministério Público abriu inquérito para investigar “suspeita de crime de racismo”. O presidente do Olodum, João Jorge Santos, disse que o discurso do professor é nazista e defendeu a “qualidade internacionalmente reconhecida” do seu batuque. O pessoal do diretório acadêmico de medicina bateu no professor dizendo que era tecnicamente incapaz, “além de racista”. O reitor da universidade, Naomar Almeida, acusou-o de “racista e ignorante”.
O professor Dantas é livre para dizer a besteira que quiser, como essa de explicar a burrice pela geografia, mas por que está sendo acusado de racista? Porque, sendo baiano, é branco? O professor falou dos “baianos” em geral, categoria que inclui negros e brancos. Entre os alunos do curso de medicina, cujo QI seria excepcionalmente baixo, também há baianos negros e brancos. Provavelmente, há ainda baianos pardos, claros, escuros, canela, café-com-leite e – para seguir nas definições de raça que os censos já colheram – torrados, encardidos, azuis.
Por que, então, o professor é racista?
Uma universidade pode achar inconveniente ter entre seus acadêmicos alguém com pensamento pedestre, mas é preciso entender onde está o pé. Há três anos, o mundo desabou sobre a cabeça de Larry Summers, reitor de Harvard, quando disse que as mulheres são menos aptas que os homens para as ciências exatas. Foi acusado de misoginia. É pantanoso o terreno das diferenças entre negros e brancos ou mulheres e homens, mas, quando alguém diz que os jovens são mais burros que os velhos, não pode ser acusado de racismo. É o caso baiano.
Tendo criticado os procedentes da Bahia, o professor passou a ser tratado como se tivesse criticado os negros da Bahia por motivos que talvez estejam sutilmente hospedados na estupidez da política de cotas raciais. Como a universidade brasileira se tornou cobaia da política de cotas, é nela que o ódio racial começa a dar o ar de sua graça. A Universidade Federal da Bahia está entre as primeiras que adotaram as cotas. Por trás de tudo pode estar a seguinte distorção: é racismo chamar de burros os alunos de uma universidade cotista instalada num estado com expressiva população negra.
Talvez o país devesse dar mais atenção ao manifesto que 113 personalidades entregaram ao Supremo Tribunal Federal contra a adoção de cotas raciais. São 113 personalidades anti-racistas. Entre elas, Caetano Veloso. Ele é baiano, é brilhante e está a anos-luz de qualquer coisa que possa ser remotamente caracterizada como primarismo musical. E, inteligente como é, Caetano Veloso quer toda a distância possível da estupidez da política de cotas raciais.
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Qual a origem do racismo?

Muitos cientistas acreditam que o etnocentrismo seja universal. Os mitos de origem de alguns nativos brasileiros trazem bons exemplos. Os índios urubus, que habitam o vale do Pindaré, no Maranhão, acreditavam que todos os homens vieram da madeira, só que eles vieram das boas, enquanto seus vizinhos se originaram das podres. Não existe nenhum relato de sociedades tribais que não tenha etnocentrismo, diz João Baptista Borges Pereira, da USP. O motivo é simples: esse tipo de idéia reforça os laços entre os grupos, estabelece fronteiras entre eles e os outros e, de quebra, levanta o moral das pessoas. Na década de 50, por exemplo, um índio kadiweu tribo famosa por não mostrar admiração por qualquer coisa que não fosse de seu grupo foi levado ao topo da sede do Banespa, um dos edifícios mais altos de São Paulo e com uma arquitetura ousada para a época. A reação foi: É apenas uma casa em cima da outra. Quem faz uma, faz 100.
A característica é tão disseminada que levou psicólogos a pensar que as pessoas são programadas para discriminar grupos. Um experimento feito por três psicólogos evolutivos da Universidade da Califórnia, Estados Unidos, mostrou a alguns participantes fotos de brancos e negros junto com partes de diálogo e frases desconexas. Quando pediu que identificassem o autor das frases, metade dos participantes utilizou a raça para fazer seu julgamento. A idéia é que o racismo seria uma tendência do ser humano de formar grupos de alianças com qualquer pista que ele tiver, como cor da pele, roupa ou sotaque. A boa notícia é que o preconceito pode ser facilmente dissolvido ou substituído por outro. Quando os negros e brancos que apareciam nas fotos recebiam camisetas de cores diferentes, as cobaias praticamente deixavam de classificá-los pela raça.
O preconceito é tão antigo quanto a humanidade, mas o racismo parece não ter mais de 500 anos. Antes disso, a discriminação era feita em relação à cultura e ao diferente, diz o antropólogo Kabengele Munanga. Os gregos chamavam de bárbaro qualquer pessoa que não falasse sua língua, mas quem a aprendesse não teria complicações. O problema começa a mudar no final do século 15, quando a Inquisição espanhola obriga os judeus a se converterem ao catolicismo. Muitos desses cristãos-novos continuam a praticar os seus ritos, o que leva os católicos a acreditar que havia algo no sangue judeu que impedia a conversão. A solução era evitar a miscigenação para que esse sangue não se espalhasse pela população. Na mesma época, os europeus chegam à África e à América e encontram um tipo de ser humano completamente diferente do que eles conheciam. Até então, a humanidade era a Europa. O conceito de branco não existia antes de eles conhecerem o negro, diz Kabengele.
O encontro trouxe novos dilemas. Os teólogos da época discutiam se os índios tinham alma com o objetivo de saber, por exemplo, se ter relações sexuais com eles era pecado. Eles também chegaram à conclusão de que escravizar africanos era natural, com base na passagem bíblica em que Canaã, filho de Noé, embriaga-se e é condenado à servidão (Gênesis 9,25).
A partir do século 18 e principalmente no século 19, as explicações bíblicas dão lugar a argumentos científicos. Os pesquisadores associavam os traços físicos de cada raça a atributos morais para tentar eliminar características indesejáveis. Um deles foi o conde francês Joseph Arthur de Gobineau, que em 1855 concluiu que a miscigenação causa a decadência dos povos e que os alemães eram uma raça superior às outras. Um de seus discípulos foi o médico brasileiro Raimundo Nina Rodrigues, para quem os rituais de candomblé eram uma patologia dos negros.
Apesar de essas teorias terem caído em total descrédito no século 20, o tipo de discriminação que elas pregam permanece vivo em muitas pessoas. É uma ideologia que se reproduz facilmente e que está sempre ligada à dominação de um grupo sobre o outro, diz Kabengele. Ou seja, além de qualquer aspecto psicológico, o racismo tem motivos bastante práticos. Ele é um sistema de levar vantagens sobre outras pessoas e manter privilégios, afirma a psicóloga Maria Aparecida Silva Bento, coordenadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert).


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