O CONTORCIONISTA
Com o Recado da semana passada, Os Pecados da Carne, o pau cantou para cima do lombo deste que vos fala. Algumas das manifestações:
- O autor confunde bem-estar animal com produção de alimentos e generaliza, perigosamente, os conceitos...
- Sou favorável às iniciativas da PeTA em relação ao bem-estar animal e sou contra qualquer tipo de crueldade com os animais, mas acho que misturar os assuntos e culpar a produção de carne não é uma boa saída.
- Segundo você, devemos todos nos tornar vegetarianos!
- Quem é a PeTA, grupelho que, com seus 800.000 membros, não representa 0,01% dos habitantes do planeta?
- Deveria estudar dados da FAO, conhecer hábitos de consumo, número de empregos gerados pela agricultura e produção animal. Está mal-informado. Entretanto, devemos provocar profundas discussões em nosso meio sobre produção animal com consciência ambiental e respeito ao bem-estar...
Tais manifestações vieram de gente que faz melhoramento animal, zootecnia, engenharia de alimento e outras atividades de respeito. Porém, também com muito respeito, quero fazer só duas perguntas:
Como é possível criar animais, em escala industrial, garantindo seu bem-estar, alimentação natural e liberdade, não lhes imputando castração, separação das mães, divisão artificial em grupos, marcação, transporte e outros tipos de sofrimento e dor?
Não vale responder que, em escala pequena é possível, porque isso não atende a imensa população. Carne de animais criados segundo os princípios do bem-estar animal seria iguaria para poucos de muitas posses. Também não vale o que Oliver Goldsmith, humanista do séc. XVIII, dizia sobre as pessoas: Elas sentem pena, mas comem o objeto de sua compaixão.
Como é possível ampliar o cultivo de grãos, para ração animal, por sobre áreas de florestas e áreas de alimentação humana, gerando maior devastação ambiental, e ainda menos alimentos, menos proteínas e menores perspectivas na resolução do problema da fome?
Não vale responder que 500 gramas de bife tem mais calorias que 500 gramas de feijão. Cada animal precisa comer para chegar ao peso do abate. Um bezerro pastando só capim, realmente, significa um ganho líquido de proteínas para os humanos. Mas, produzido em escala, o bezerro alimenta-se com comida que nós poderíamos comer. Para crescer, bater o coração, respirar e demais atividades, ele gasta calorias (energia). Seus ossos e outros tecidos, que não comemos, também são construídos com o que ele come. Depois de atendidas suas necessidades, só o que sobra é que se transforma em carne. E, pasme: um bezerro tem que comer 19 Kg de proteína na ração, para produzir menos de 1Kg de proteína para um ser humano. Dessa forma, recupera-se 5% daquilo que se investiu! Se metade das terras cultiváveis do planeta são para ração animal, e a população de famélicos não diminui, como estas coisas se justificam?
Este Recado não pretende dar receitas de conduta. É um espaço onde procuro instigar as pessoas a tomarem posição (sejam quais forem) sobre o que considero mais relevante: nossa sobrevivência.
Neste último, não critiquei a produção de animais e sim a produção industrial de animais e suas conseqüências de ordem moral e ambiental.
Pela qualidade dos interlocutores, considerei importante dar continuidade ao assunto. Contudo, um pedido: foquem o tema; não pratiquem contorcionismo pois, no final, bem pode acontecer, como diz a lenda:
- O contorcionista engoliu-se
Um forte abraço
Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Premiado pela ONU por seus projetos ambientais, foi prefeito de Londrina, secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário