Goiânia (Antéro
Sóter - Diário da Manhã) - A
anemia falciforme é lembrada com manifestações e conscientização da população
em diversas capitais no Brasil no dia 19 de junho, Dia Mundial de
Conscientização sobre a Doença Falciforme. Caracterizada por ser uma doença
hereditária, e mais comum em afrodescendentes, o nome “falciforme” é pelo fato
de glóbulos vermelhos das pessoas doentes serem similar ao de uma foice ou meia
lua.
O
chefe de Serviços do Hospital das Clínicas de Goiânia e professor de
Hematologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), hematologista e
hemoterapeuta Renato Sampaio Tavares, diz que essa doença pode ser identificada
precocemente através do teste do pezinho. Na primeira semana de vida, a criança
é submetida ao teste que pode identificar a presença da doença falciforme, e do
traço falciforme. Já crianças a partir de quatro meses e adultos que ainda não fizeram
o diagnóstico podem realizar o exame de sangue chamado eletroforese de
hemoglobina, oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Renato
Sampaio, explica como ocorre essa mutação genética na molécula de hemoglobina.
“Na anemia falciforme a alteração na molécula de hemoglobina ocorre devido a
uma mutação genética, que é hereditária, ou seja, é passada dos pais para os
filhos, mas a doença só acontece quando a pessoa herda dois genes anormais: um
do pai e outro da mãe. Se a pessoa herdar um gene só, ela será portadora do
traço falciforme, que não causa anemia nem crises de dor, mas pode ser
transmitida para os filhos”.
Pessoas
que possuem o traço falciforme, segundo ele, não desenvolvem a doença, portanto
não necessitam de tratamento. “Mas aqueles que apresentem esse diagnóstico
devem procurar uma orientação médica especializada para que os oriente em caso
de quererem ter um filho”, diz Renato Sampaio.
Segundo
o hematologista, a doença é mais comum na população afrodescendente. No Brasil
a miscigenação racial torna essa característica mais difícil de delimitar. Para
diagnosticar a anemia falciforme o principal exame a ser feito é o famoso teste
do pezinho. “O exame, disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), deve ser
feito na primeira semana de vida do recém-nascido. Com ele os pais terão a
segurança do reconhecimento precoce da doença falciforme”.
Após
os quatro anos de idade é possível fazer a eletroforese de proteínas. Um exame
de sangue também oferecido pelo SUS que pode detectar a anemia falciforme. “Antes
do teste do pezinho, o grande aliado das famílias, dos cuidados e da orientação
genética, a média de sobrevida era de 14 anos. Hoje registramos pessoas com a
anemia falciforme com mais de 50 anos e essa média pode ser ainda maior, desde
que haja o acompanhamento profissional adequado”, informa Renato Sampaio.
De
acordo com algumas teorias, divulgadas inclusive pela Federação Nacional dos
Portadores de Anemia Falciforme (Fenafal), a doença é resultado de uma mutação
genética ocorrida em áreas distintas do continente africano em grupos no Benin,
no grupo linguístico Banto, Senegal, Camarões e numa parcela chamada árabe
indiana, podendo encontrar o gene da anemia falciforme também no continente
asiático e com o tráfico de escravos houve a inserção do gene falciforme nas
Américas.
A
hipótese, de acordo com a Fenafal, é que teriam sofrido uma mutação como uma
defesa natural do organismo para se proteger da malária. Porque é justamente
nessas áreas que se pode perceber uma resistência a malária muito grande. A
malária mata as pessoas porque o plasmódio tem a capacidade de absorver o
oxigênio contido nas hemácias. Então o corpo teria criado o que a gente chama
de lei de Darwin, para combater a doença.
A
anemia falciforme e predominante na população negra, mas não é exclusiva.
Atualmente, por exemplo, foram registrados casos da doença no Paraná em pessoas
brancas. Tem uma pesquisa de uma médica do Paraná que comprova que 87% das
pessoas que tem a anemia falciforme no Estado são fenotipicamente brancas.
De
acordo com o Ministério da Saúde, todos os anos, 3.500 crianças brasileiras
nascem com anemia falciforme e 200 mil crianças brasileiras nascem com o traço
falciforme. Renato Sampaio lembra que, embora possam não desenvolver os
sintomas relacionados, os pais devem ficar atentos. “Esse é o principal motivo
de nossa constante preocupação: a importância do conhecimento e da adesão ao
tratamento quando necessário”, afirma.
O
professor Renato Sampaio, que participa, desde o dia 12, do Congresso Europeu
de Hematologia, em Estocolmo, capital da Suíça, revela que o Estado de Goiás
deve agraciado com um centro de excelência para o tratamento de doenças
falciformes. Um andar inteiro do Hospital das Clínicas está sendo preparado e
equipado para receber um ambulatório de hemagoblinopatias.
Quanto
antes o diagnóstico for confirmado, melhor. O ideal para o tratamento, de
acordo com o hematologista Renato Sampaio, é que o paciente tenha um
acompanhamento adequado, com suporte multiprofissional em um centro de
referência. “O apoio de assistentes sociais, psicólogos, oftalmologistas e
fisioterapeutas também têm a sua importância no tratamento da anemia falciforme
e deve ser feito durante a vida inteira. Também é muito importante manter a
rotina de exames diagnósticos para evitar as complicações crônicas, como o AVC,
alterações cardíacas, além de acompanhar a taxa de hemoglobina”, diz.
Atualmente,
existe tratamento medicamentoso com o hidroxiuréia, que auxilia no aumento da
hemoglobina fetal e ajuda a qualidade de vida dos pacientes. O tratamento
curativo é possível apenas com o transplante de medula óssea, mas só é indicado
para pessoas com até 16 anos e com indicações específicas.
Segundo
doutor Renato Sampaio, o tratamento da anemia falciforme envolve transfusão,
que deve ser cautelosa e em casos selecionados, em função dos riscos de acúmulo
de ferro. Nesta situação, podem ser usado quelantes de ferro. “A hidroxiureia é
uma medicação bastante utilizada em pacientes selecionados, com o intuito de
aumentar a hemoglobina fetal e reduzir o número de neutrófilos e monócitos que
estão envolvidos nas crises vaso-oclusivas. O transplante de medula óssea HLA
idêntico é uma opção, mas sua utilização ainda é bastante restrita em nosso
meio, em função dos riscos deste tipo de tratamento”, informa.
O
hematologista explica não existe cura para a quem é acometido pela anemia
falciforme, apesar de existir pesquisas e experimentos com transplante de
medula – aprovado recentemente pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), que tem a possibilidade de curar, “mas o grande problema é achar um
doador compatível e o risco do procedimento, mesmo com toda qualidade dos
transplantes realizados atualmente”, diz ele. “O tratamento, em si, tem como
principal foco a prevenção das situações que podem modificar a forma das
hemácias”. Entre os cuidados necessários, segundo ele, estão o tratamento
rápido de infecções, manter o calendário de vacinação em dia, evitar
desidratação e atividades físicas muito intensas, além da antibioticoterapia.
As
crianças que tem anemia falciforme devem receber tratamento especial por parte
do pediatra, incluindo tratamento para prevenir infecções e orientação quanto a
certas complicações típicas da idade infantil.
Os
adultos com anemia falciforme podem passar bem, apresentando apenas queixas
esporádicas ou podem ter complicações crônicas da doença, como úlceras nas
pernas, cálculos (pedras) na vesícula, lesão na articulação do quadril,
alterações oculares, insuficiência renal, alterações pulmonares e cardíacas,
excesso de ferro, que é causado por transfusões de sangue frequentes.
“O
acompanhamento médico permanece associado a uma vida saudável. A boa
alimentação e o apoio familiar são fundamentais para a qualidade de vida do
paciente com anemia falciforme”, orienta o professor Renato Sampaio.
DTC
(Doppler Transcraniano).
Como
aproximadamente 11% das crianças que possuem este tipo de anemia devem
apresentar Acidente Vascular Cerebral (AVC) até os 20 anos de idade, a
prevenção é indispensável. “A importância do DTC (Doppler Transcraniano) está
no fato de prevenir o AVC, permitindo melhor qualidade e perspectiva de vida ao
paciente. É um exame simples e indolor, semelhante ao ultrassom o qual permite
a identificação da velocidade do fluxo sanguíneo cerebral”, explica Renato
Sampaio. “Todo paciente com anemia falciforme, com idade entre 2 e 16 anos deve
fazer o DTC pelo menos uma vez por ano”, completa.
RECOMENDAÇÕES
*
Exija que o teste do pezinho seja feito em seu filho/a logo depois do
nascimento. Se for constatado que é portador de anemia falciforme, encaminhe-o
logo para um médico especialista;
*
Procure imediatamente assistência se a pessoa com anemia falciforme tiver uma
crise de dor. Embora às vezes ela possa ser tratada em casa com analgésicos,
repouso e ingestão de muito líquido, só o médico poderá avaliar a necessidade
de internação hospitalar;
*
Entenda a febre do portador de anemia falciforme como um sinal de alerta e não
faça uso de medicamentos sem orientação médica que acompanha o caso;
*
Leve imediatamente para o hospital mais próximo, a criança com anemia
falciforme que ficou pálida de repente;
*
Lembre-se de que alterações oculares podem ocorrer nesses pacientes. Por isso,
eles devem ser avaliados periodicamente por um oftalmologista.
SINTOMAS
A
anemia falciforme pode se manifestar de forma diferente em cada indivíduo. Uns
têm apenas alguns sintomas leves, outros apresentam um ou mais sinais. Os
sintomas geralmente aparecem na segunda metade do primeiro ano de vida da
criança.
-
Crise de dor: é o sintoma mais frequente da doença falciforme causado pela
obstrução de pequenos vasos sanguíneos pelos glóbulos vermelhos em forma de
foice. A dor é mais frequente nos ossos e nas articulações, podendo, porém
atingir qualquer parte do corpo. Essas crises têm duração variável e podem
ocorrer várias vezes ao ano. Geralmente são associadas ao tempo frio,
infecções, período pré-menstrual, problemas emocionais, gravidez ou
desidratação;
-
Icterícia (cor amarela nos olhos e pele): é o sinal mais frequente da doença. O
quadro não é contagioso e não deve ser confundido com hepatite. Quando o
glóbulo vermelho se rompe, aparece um pigmento amarelo no sangue que se chama
bilirrubina, fazendo com que o branco dos olhos e a pele fiquem amarelos;
-
Síndrome mão-pé: nas crianças pequenas as crises de dor podem ocorrer nos
pequenos vasos sanguíneos das mãos e dos pés, causando inchaço, dor e
vermelhidão no local;
-
Infecções: as pessoas com doença falciforme têm maior propensão a infecções e,
principalmente as crianças podem ter mais pneumonias e meningites. Por isso
elas devem receber vacinas especiais para prevenir estas complicações. Ao
primeiro sinal de febre deve-se procurar o hospital onde é feito o
acompanhamento da doença. Isto certamente fará com que a infecção seja
controlada com mais facilidade;
-
Úlcera (ferida) de Perna: ocorre mais frequentemente próximo aos tornozelos, a
partir da adolescência. As úlceras podem levar anos para a cicatrização
completa, se não forem bem cuidadas no início do seu aparecimento. Para
prevenir o aparecimento das úlceras, os pacientes devem usar meias grossas e
sapatos;
-
Sequestro do Sangue no Baço: o baço é o órgão que filtra o sangue. Em crianças
com anemia falciforme, o baço pode aumentar rapidamente por sequestrar todo o sangue
e isso pode levar rapidamente à morte por falta de sangue para os outros
órgãos, como o cérebro e o coração. É uma complicação da doença que envolve
risco de vida e exige tratamento emergencial.
SEM
REGISTRO
Jovem
luta por transplante de medula
A
família de secretária Karoliny Moura, 20 anos, moradora em Aparecida de
Goiânia, vem lutando para vencer a anemia falciforme, desde seus três anos de
idade, quando descobriram que ela tem a doença. Karoliny já sofreu acidente
vascular cerebral (AVC) em fevereiro de 2013, crise álgica, em 2012 que
ocasionou uma bronco aspiração, deixando-a por 26 dias em estado de coma na UTI
do Hospital Incore (Antigo Hospital São Bernardo ), chegando a ser desenganada
pelos médicos.
“Tive
que trancar minha matrícula no curso de Fisioterapia, além deixar de praticar
natação, pois caso viesse a ter outro AVC dentro da piscina, poderia ser fatal.
Hoje tenho acompanhamento com um neurologista”, explica Karoliny. Ela também
reclama da reação das pessoas quando descobrem que ela tem anemia falciforme.
“Infelizmente tem muito preconceito com portador da doença, principalmente no
mercado de trabalho”, diz ela ao revelar que já foi dispensada de duas empresas
após os três messes de experiência quando descobriram que sofre da doença. “As
desculpas eram sempre as mesmas. que eu era uma ótima funcionara, mas não
estaria habilitada para trabalhar na empresa por não saber quando eu iria ter
uma crise, quando seria necessário uma transfusão ou internação. Falta
informação a sociedade do que é anemia falciforme”, lamenta.
Karoliny
tem acompanhamento médico com o hematologista Dalton Biacchi Pfeifer, no IHG de
Aparecida de Goiânia. “Parte do tratamento foi pelo Sistema Único de Saúde
(SUS), mas pelas dificuldades impostas pelo sistema e pela necessidade de
cuidados contínuos, o tratamento vem sendo coberto por um convênio médico”, diz
Karoliny. O tratamento, segundo ela, é contínuo com medicações como ácido
fólico (que ajuda na produção de glóbulos vermelhos ), hidratação intensa,
hidroxiuréia (quimioterapia), hemoterapia, exjade, entre outros.
A
família de Karoliny reclama da burocracia para se cadastrar para receber
transplante de medula óssea. Ela diz que vem tentando, mas que, infelizmente o
cadastro no Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea (Rereme) não foi
liberado aos portadores de anemia falciforme e outras hemoglobinopatias,
segundo Karoliny, “por burocracia do Ministério Público”.
Karoliny
se diz “revoltada com o Ministério da Saúde que, ao invés de cumprir a Portaria
MS/GM nº 675, de 2006, que garante o acesso de todo cidadão brasileiro ao
sistema de saúde, deixa muito a desejar pelo excesso de burocracia, que muitas
vezes leva o cidadão à morte. Uma médica
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto chegou a, inclusive, expor casos de sucesso de transplantes
realizados naquela cidade e questionou o porque da recusa da Coordenação de
Transplante do Ministério da Saúde em relação à ampliação do número de
transplante de medula óssea (TMO) em casos de doenças falciformes, mas até o
momento nenhuma providência foi tomada”, explica a secretária.
Karoliny
lamenta e diz reconhecer que, “em nosso país carece de ampliação nas políticas
públicas voltadas para as pessoas com doença falciforme, sendo necessário
discutir com o Ministério Publico e a comunidade científica sobre o transplante
halogênico em portadores da doença falciforme. Sei que não é um trabalho
simples, mas se ao menos o Ministério Público deixasse de fazer vistas grossas
e aprovasse a portaria liberando a inclusão da anemia falciforme e outras
hemoglobinopatias no Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea (Rereme).
As esperanças de um portador de doença anemia falciforme chegariam ao extremo
em apenas pensar que poderia obter a cura de uma doença que nos limita a planejar
e executar objetivos desejados”.
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