Mãe goiana procura filho
desaparecido há 8 anos
Antéro Sóter
A população está
acompanhando, através dos noticiários, as manifestações que estão acontecendo,
em especial no Rio de Janeiro e em São Paulo, cobrando das autoridades do Rio o
esclarecimento sobre o que ocorreu com o pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido
há 23 dias. Em Goiás, a dona de casa Maria das Graças Soares luta quase que
sozinha, há oito anos, para saber o paradeiro de seu filho Murilo Soares. O
garoto é umas das 39 pessoas que, segundo organizações sociais de defesa dos
direitos humanos, desapareceram após serem abordadas por policiais militares na
região metropolitana de Goiânia nos últimos anos.
"Eu também
queria saber onde está o meu filho. Eu queria que os governantes, as
autoridades, também me ajudassem”, disse Maria das Graças. “São 39 famílias de
desaparecidos após abordagem policial que até hoje não tiveram respostas”,
comentou a dona de casa, referindo-se aos números parcialmente revelados no ano
passado, em um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia
Legislativa de Goiás.
“Minha vida virou uma
tristeza, um inferno, e minha única esperança é encontrar meu filho. Batalho,
continuo correndo atrás para um dia encontrá-lo, mas o pouco que eu posso fazer
é dar entrevistas para que o caso não seja esquecido e participar de reuniões
de grupos de direitos humanos”, comentou Graça, citando, como exemplo, a reunião
extraordinária do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), da
qual a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, participou, em setembro
do ano passado.
AMARILDO
Morador da Rocinha,
Amarildo desapareceu no dia 14 de julho deste ano, após ser levado por
policiais militares para a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da comunidade,
no bairro de São Conrado, na zona sul do Rio. O caso gerou protestos de
moradores da Rocinha aos quais, depois, se somaram outros segmentos da
sociedade fluminense. Após chegar às redes sociais, a pergunta "Onde está
Amarildo?" atraiu a atenção da imprensa brasileira e internacional. Já o
caso de Murilo e das outras 38 supostas vítimas da abordagem policial goiana
atraem cada vez menos atenção da opinião pública.
MURILO
Murilo tinha 12 anos
quando, em 22 de abril de 2005, policiais do grupo Rondas Ostensivas Táticas
Metropolitanas (Rotam) pararam o carro dirigido pelo servente Paulo Sérgio
Pereira Rodrigues, de 21 anos. A pedido do próprio pai (que, na época, já
estava separado de Graça), Murilo voltava para casa de carona com Paulo. Várias
pessoas presenciaram o momento em que os policiais revistavam o motorista enquanto
o garoto permanecia de pé, ao lado do veículo. Foi a última vez que Murilo e
Paulo foram vistos. O carro foi encontrado no dia seguinte, carbonizado e sem a
aparelhagem de som e as rodas. Os corpos dos dois ocupantes, no entanto, jamais
foram localizados. Paulo tinha antecedentes criminais.
Oito policiais
acusados de latrocínio (roubo seguido de morte) e ocultação de cadáver foram
absolvidos pela Justiça de Goiás por falta de provas materiais. O Ministério
Público recorreu da sentença e o resultado do julgamento foi anulado pela Justiça
estadual, que decidiu levar os policiais ao Tribunal de Júri por duplo
homicídio qualificado e ocultação de cadáveres. Por falta de indícios, a nova
decisão também foi anulada e o novo julgamento não aconteceu.
IMPUNES
Passados oito anos,
Maria das Graças diz ter perdido a esperança de que alguém seja punido pelo
sumiço de seu filho. Por já não acreditar que o garoto esteja vivo, ela diz
alimentar unicamente a esperança de dar um enterro digno ao seu filho. “Minha
expectativa é que um dia eu possa enterrar os restos do meu filho. Este é meu
sonho. Eu quero encontrar o Murilo, não importa o jeito que ele esteja”.
Informações
desencontradas, expectativas frustradas, ameaças de morte, o contato com a
burocracia e a “falta de sensibilidade” do Estado levaram a dona de casa Maria
das Graças Soares a acreditar que ninguém será punido pelo desaparecimento do
filho, Murilo Soares. Dia 22, quando o desaparecimento do adolescente completou
oito anos, Graça declarou que o que a sustenta é o desejo de localizar o corpo
do filho e enterrá-lo dignamente. “Acabaram com a minha vida”, disse Graça.
“Infelizmente, de lá
para cá, nada aconteceu”, lamentou Graça. Há pouco mais de dois anos, o
Instituto Médico-Legal (IML) de Goiânia fez exames para verificar se uma
ossada, supostamente de um adolescente, era de Murilo. “Disseram que o
resultado ia demorar uns seis meses, mas, até hoje, nunca tive uma resposta se
o exame deu positivo ou negativo. Já fui lá e não me deram resposta”. O
advogado Alan Hahnemann Ferreira, que hoje representa Graça, disse estar
tentando obter uma resposta oficial do IML. Mas, segundo ele, extraoficialmente
a informação é que a ossada não seria de Murilo.
“A exceção de alguns
veículos impressos, e muito por iniciativa de uns poucos jornalistas, a mídia
local tem um receio enorme de tratar desses temas. Aí, sem isso, fica uma briga
de Davi contra Golias. Com certeza, sem essa atenção, não há a necessária
mobilização da sociedade. Logo, não há pressão pela resolução desses casos”,
disse o advogado.
Ao pedir que a investigação
e o julgamento das mortes de moradores de rua de Goiânia fossem federalizados,
a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, sugeriu, a cerca de três
meses, que também as denúncias de desaparecimentos após abordagens policiais na
região metropolitana da capital goiana também fossem federalizados. O pedido
da ministra foi encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, no começo de maio.
No pedido, é mencionada a suspeita de
violência policial e atuação de grupos de extermínio em Goiás que, desde 2000,
resultaram em “sistemáticas violações aos direitos humanos, diante da inércia
estatal para investigar, julgar e punir os possíveis autores”.
A cargo do ministro Jorge Mussi, do
STJ, o deslocamento da competência ainda não foi julgado. Por meio do chefe de Comunicação Social, coronel Anésio
Barbosa Júnior, a Polícia Militar de Goiás informou que acompanha os
desdobramentos do caso, classificado como “extremamente complexo”, e tem o
maior interesse no esclarecimento dos fatos para que, se comprovadas as
acusações, os eventuais responsáveis sejam punidos. Ou que, caso contrário, não
restem dúvidas sobre a atuação de quaisquer servidores públicos ou da
corporação. (Com Agência Brasil)
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