quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Anatel defende mais empresas que consumidor e está em crise, diz ouvidor

Brasília (Observatório do Direito à Comunicação*) - A Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações ainda não encontrou um equilíbrio entre a defesa dos interesses dos consumidores e das empresas concessionárias dos serviços de telecomunicações. Após dez anos da privatização do setor, esta é a avaliação de Aristóteles dos Santos, ouvidor da agência, que divulgou segunda-feira (14), relatório com duras críticas a atuação da autarquia federal. A ouvidoria afirma que o órgão prioriza defender as empresas em detrimento da sociedade e não cumpre suas obrigações no âmbito da regulamentação das políticas setoriais.
O relatório foi entregue ao presidente Lula na última sexta-feira, 12. No texto, o ouvidor afirma que a agência está em crise e que é "completa a distância da Anatel dos interesses dos cidadãos". Segundo Santos, a agência não tem correspondido ao seu papel legal e precisa ser revista com urgência. "A Anatel, por não cumprir ou não fazer cumprir integralmente os propósitos que justificam a sua criação, vive, a nosso ver, uma relevante crise existencial".
O texto do ouvidor não chega a dizer diretamente que a agência foi capturada pelas empresas, mas suas declarações não deixam dúvidas de que, na sua opinião, a Anatel estaria defendendo apenas o interesse dos investidores.
"Desestatizado o setor e instituída a Anatel, o seu corpo técnico absorveu o discurso oficial e incorporou dentre as suas atividades a prioridade de assegurar às prestadoras o prometido retorno do capital. Dessa forma, a agência, tendo absorvido tal obrigação como prioritária, acabou por colocar em risco a sua independência, risco este posteriormente agravado diante do extraordinário poder de influência dos novos concessionários".
De acordo com Aristóteles Santos, a agência reguladora "não conseguiu ter a desenvoltura suficiente para manter uma relação isonômica com os regulados” e os efeitos da opção feita pela Anatel estariam sendo sofridos atualmente pela sociedade: falta de competição; alto custo da assinatura básica do STFC (telefonia fixa); nenhuma iniciativa concreta em viabilizar o Aice - Acesso Individual Classe Especial e a telefonia rural; e o descaso no atendimento aos cidadãos.
Nem o conselho diretor da agência foi poupado e foi considerado por Santos insensível às políticas sociais. "Só podemos inferir que o Conselho Diretor da agência, com a composição de então, tendo uma conhecida predominância conservadora, por mais que se esforçasse, não conseguiria se revestir de sensibilidade social” afirma o relatório. Ele salientou que a agência foi fragilizada conceitualmente e que só agora o conselho está formado de integralmente por conselheiros indicados pelo presidente Lula.
Segundo o relatório, um exemplo da falta de foco na defesa dos interesses dos consumidores foi o trabalho na regulamentação do Aice. Fracassado em sua implantação, o pacote de telefonia para a baixa renda seria a demonstração da "incapacidade da Anatel em estabelecer os regulamentos que assegurassem a implementação das políticas públicas determinadas pelo atual governo".
Atendimento precário
O atendimento ao cidadão é, segundo o relatório, a maior fragilidade da Anatel. “Tal fragilidade começa pela própria estrutura organizacional, onde as gerências, ‘protegidas’ por esta estrutura organizacional, somente se responsabilizam pelas suas atividades institucionais, não respondendo por nada que diga respeito ao usuário”. Com isso, o imenso número de reclamações que chegam através da Central de Atendimento, as quais deveriam servir para orientar o planejamento estratégico “se perdem em um amontoado de arquivos eletrônicos”.
As “Salas do Cidadão”, desconhecidas pela maioria dos consumidores, também receberam duras críticas. “Mal localizadas, sem infra-estrutura, sem gerenciamento, sem vinculações administrativas, somente reforçam o conceito de desprestígio do usuário frente à Agência”, relata o texto da ouvidoria.
Além disso, o relatório aponta que há excesso de tempo nas respostas aos cidadãos, sendo que novos questionamentos não são sequer apreciados pelas empresas; que existe “retrabalho” gerado pela baixa qualidade das informações prestadas e; que mesmo quando os questionamentos são feitos à própria Anatel, a agência normalmente não responde ao cidadão.
Tarifas elevadas
O ouvidor também responsabiliza a Anatel pela alta dos preços da telefonia, sugerindo que o faturamento das companhias tem sido protegido pelo discurso de que o setor ainda é deficitário. "Parece que não há consistência nessa análise da área técnica", afirmou Santos, que deve apresentar um novo relatório apenas sobre este tema.
Ele fez críticas aos valores cobrados pela assinatura básica da telefonia fixa, cujo valor gira em torno de R$ 40,00 e são pagos mensalmente. Ele lembrou que, em 1998, ano em que o setor de telefonia fixa foi privatizado, a assinatura custava R$ 13,00. Isso significa um aumento de mais de 200% desde então para uma inflação de 83%. Segundo ele, 50% do faturamento das fixas são garantidos pela cobrança da assinatura e já estaria no momento do setor compartilhar esses ganhos com a sociedade. “A assinatura mensal retira da sociedade brasileira algo em torno de R$ 1,6 bilhão todo o mês”, afirma o ouvidor.
O ouvidor também criticou a Anatel pelo fato da agência estar deixando o monopólio da telefonia fixa se ampliar para a banda larga. “Não se pode negar que, a cada dia que se passa sem competição nestes serviços, as concessionárias usufruem financeiramente dos seus monopólios, em detrimento da sociedade”, afirma Santos. E defende que seja implementada, efetivamente, a desagregação das redes, para quebrar os monopólios privados regionais.
Aristóteles Santos reserva uma pequena parte elogiosa às iniciativas da Anatel, quando o tema é a incorporação dos preceitos do Código de Defesa do Consumidor nos novos regulamentos do STFC e do SMP (telefonia móvel), afirmando que hoje, diferentemente de períodos anteriores, a agência “mostrou-se capaz de assimilar os avanços propostos pelo Governo atual”, demonstrando disposição e vontade de cumprir seu papel.
Sugestões e desafios
Em suas considerações finais, o relatório da ouvidoria sugere que a Anatel aproveite a sua reestruturação para repensar seu papel mais amplamente e que tal mudança não vise apenas a agilidade dos processos administrativos. "Acho que a Anatel vive uma crise de crescimento, relacionada à adolescência", afirmou Santos na apresentação do relatório.
Uma das propostas apresentadas é que a agência se envolva mais no Programa Nacional de Banda Larga, encabeçado pela Casa Civil, inclusive com propostas de uso do Fust – Fundo para a Universalização dos Serviços de Telecomunicações para estimular a criação de uma infra-estrutura pública para o tráfego de dados.
Para ter acesso ao relatório, clique aqui. (* Com informações da Tela Viva News, do Portal Imprensa e da TeleSíntese)

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