segunda-feira, 14 de abril de 2008

Juízes adotam linguajar das ruas para orientar menores infratores

Como no documentário "Juízo", magistrados procuram falar língua da rua para explicar leis. Novo titular da Vara de Infância e Juventude também é 'estudioso' do vocabulário do crime.

Rio (Aluízio Freire/G1) - “Se você não tomar jeito, vai voltar pra rua e acabar levando uns pipocos (tiros)”. O alerta, por mais estranho que possa parecer, é feito por uma magistrada. Para se fazer entender nos interrogatórios de menores, a juíza Luciana Fiala de Siqueira Carvalho procura falar a língua dos meninos de rua em vez de usar os tradicionais jargões jurídicos. No documentário “Juízo”, da diretora Maria Augusta Ramos, ela representa o seu próprio papel. Outros juízes também passaram a usar da linguagem 'fácil' para facilitar a comunicação com os adolescentes infratores.
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Mas não pensem que Luciana faz o papel de boazinha o tempo todo. Se precisar, a juíza de 36 anos e 1,48 m de altura “pega pesado” e pode se transformar num capitão Nascimento. “Procuro usar a linguagem do réu, que se utiliza de gírias. É uma técnica de interrogatório para descobrir a verdade real e me aproximar, para que eles entendam o que estamos falando”, explica.
A novidade, no entanto, não é bem vista por todos. “Já recebi críticas ao meu trabalho de alguns colegas. Mas tudo bem. Acho que o risco é o magistrado perder o respeito. Uma nova postura judiciária é importante para se aproximar das pessoas. A população não é um ser intocável”, afirma.

Dialetos

Mãe de três filhos - uma adolescente de 14 anos, do primeiro casamento, um menino de 8 anos e um bebê de 1 ano e meio -, Luciana diz que sempre se interessou pelo direito criminal. “Tenho curiosidade em conviver e observar o submundo, conhecer seus dialetos. Na verdade são vários guetos”, afirma. “Conhecer essas expressões novas da garotada ajuda na experiência de vida do juiz”, acrescenta.
Um dos episódios que chama a atenção no documentário é quando a juíza, durante uma audiência, decide que um adolescente ficará em L.A. Ele volta para sua última noite no cárcere e se depara com uma rebelião. Consegue fugir, no meio da confusão. O filme deixa claro que, se ele soubesse que L.A. significa liberdade assistida, talvez tivesse resistido mais um dia no instituto, apesar da rebelião.

Desmistificar a Justiça

O documentário reúne imagens captadas durante quatro dias na 24ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro no período em que a juíza Luciana era a titular. Ao todo foram 50 audiências. Atualmente, ela atua na comarca de Paracambi, na Baixada Fluminense.
Além de filmar audiências, “Juízo” entrou nos corredores do Instituto Padre Severino, uma unidade de internação provisória, sob a responsabilidade do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas (Degase) para onde são levados os infratores.
Para o juiz Marcius da Costa Ferreira, 45, que tomou posse no dia 1º de abril como titular da Vara de Infância e Juventude da Capital, substituindo o juiz Guaraci Vianna, que foi promovido ao cargo de desembargador, “é preciso desmistificar a Justiça”. “O magistrado, principalmente no nosso caso, quando se manifestar, deve ser preciso, claro e objetivo”, diz ele, também adepto do aprendizado da língua das ruas.
Ferreira afirma ainda que “o menor infrator costuma entender as coisas melhor que a gente”. E dá o exemplo de uma audiência com um jovem que entrava na idade adulta e já havia cumprido pena como usuário de drogas. “Disse-lhe que ele teve passagem como menor e que teria a suspensão condicional do processo. E agora a coisa ia ficar preta, se ele vacilasse. O bicho ia pegar”, explicou.
Para surpresa do magistrado, quando perguntou ao rapaz se havia entendido bem o que ele tinha dito, recebeu a seguinte resposta: “Entendi, sim. Vou ter que ficar como o filho do Zico?”. O juiz retrucou: “Como?”. E o menino emendou: “Só no sapatinho” (em referência ao nome do grupo de pagode de Bruno Coimbra).

Delegado serve de tradutor para juízes

Quando eles (juízes) não sabem o significado de uma gíria disparada pelos menores infratores, recorrem aos 'universitários'. Quem brinca com a história é o delegado Deoclécio Francisco de Assis Filho, titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, acostumado com o linguajar dos meninos de rua.
“Tenho amigos juízes que às vezes me procuram para ajudar a traduzir uma palavra dita pelos garotos. Em alguns casos, nem no contexto da frase é possível matar a charada. É preciso conhecer a língua deles”, afirma Assis Filho, que elogia a iniciativa da juíza Luciana Carvalho.
“Os garotos chegam aqui falando ‘pô, doutô, tomei uma volta (foi levado a participar de uma ação criminosa)’, por exemplo. Para interrogá-los, é preciso saber o significado disso”, afirma o delegado.

Gírias das ruas

“Eu não estava com o bagulho” – Não portava drogas
“Levei um bote” – Flagrado fumando maconha
“Os caras me esculacharam só porque eu tava queimando um” – Espancado por policiais quando pego fumando maconha
“Eu tava caretaço” - livre de qualquer efeito da maconha
“Ando sussu total” – sossegado
“Fiquei no maior pifão” – bebedeira
“Eu não tava chapado” – sob efeito de drogas
“Tô na maior nóia – preocupado
“Dei só uns tapinhas” – tragadas
“É pra matar a lara” - matar a fome química
“Pintou sujeira” – situação de perigo
“Dançou” – usuário flagrado fumando

Juridiquês

Apelo extremo: recurso extraordinário
Diploma provisório: medida provisória
Ergástulo público: cadeia
Exordial acusatória, peça increpatória, peça acusatória inaugural: denúncia
Peça incoativa, petição de intróito, peça-ovo: petição inicial
Remédio heróico: mandado de segurança.


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