As mudanças introduzidas pela Câmara Federal no Código Florestal, comandadas pela bancada ruralista, ameaçam todo o patrimônio ambiental brasileiro. Entre os alvos está o cerrado, visto como área de expansão das fronteiras agrícolas.
Depois da mata atlântica, da qual restam cerca de 7% da vegetação natural, ele é mais danificado pela intervenção humana. Dos 207 milhões hectares, cerca de 50% do cerrado deram lugar às atividades agropecuárias.
Desse percentual, 54 milhões de hectares foram destinados às pastagens, sendo que 30 milhões de hectares estão degradados. Restam, portanto, 60 milhões de hectares disponíveis à produção rural, o que torna desnecessária a abertura de mais áreas às atividades produtivas no campo.
“Independentemente das alterações aprovadas pelos parlamentares no Código Florestal, teremos que tornar essas áreas de pastos em agricultáveis e elevar a produtividade das lavouras instaladas”, afirma José Roberto Peres, engenheiro agrônomo, pesquisador e atual chefe-geral da Embrapa Cerrado, instituição criada há 37 anos.
Para ele, não há alternativa senão verticalizar a produção na área de pastagem, por meio do sistema de integração lavoura, pecuária e floresta.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Centro-Oeste, área de cerrado, deverão sair, este ano, 62,8 milhões de toneladas de cereais, leguminosas e oleaginosas. Em relação à produção nacional, a região, atualmente, responde por mais de 50% da oferta de carne.
Redução das emissões - Essa participação expressiva do cerrado na agropecuária brasileira pode triplicar, levando em conta o conjunto de tecnologias disponíveis, que permite fazer a transição do sistema predatório para um modelo sustentável. “O uso de boas práticas pode acelerar essa transferência”, afirma José Roberto Peres.
Ele lembra que essa mudança é uma exigência diante do compromisso assumido pelo Brasil de reduzir em 1 bilhão de toneladas/ano as emissões de gases de efeito estufa, principalmente o CO2, durante a 15ª Conferência das Partes, em dezembro de 2009, em Copenhagen, capital da Dinamarca, que objetivou estabelecer o tratado para substituir o Protocolo de Quioto.
Desde 2010, o Brasil adotou o programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono). A Embrapa Cerrado vem investindo de transferência de tecnologia por meio de 198 unidades de referência. Os produtores que aderem são beneficiados com crédito mais barato e prazos maiores para quitar o financiamento.
A meta governamental é incorporar as práticas sustentáveis em 5,5 milhões de hectares e, assim, reduzir em 10 milhões de toneladas as emissões de carbono.
A capacitação de produtores, técnicos e extensionistas rurais estão no rol de prioridades da Embrapa Cerrado. Mas somente essas ações não são suficientes para inserir o bioma em um modelo de desenvolvimento agropecuário sustentável.
Na opinião de José Roberto Peres, é preciso um pacto público-privado em favor da recomposição das áreas degradas. Segundo ele, é essencial considerar que o cerrado abriga nascentes de 10 bacias das 12 regiões hidrográficas do país, um recurso finito indispensável não só à agricultura, mas à vida.
Zoneamento ecológico - Além disso, é fundamental realizar um mapeamento que permita dimensionar os danos ambientais nas reservas legais, nas matas de galerias e nas áreas de proteção permanente. Hoje, o cerrado não conta com um zoneamento econômico-ecológico que oriente a sua ocupação e revele a vocação econômica de cada área.
A inexistência desse levantamento detalhado faz com que seja impossível quantificar a demanda por mudas destinadas à recuperação das áreas degradas. Em relação à região do Entorno — formada por municípios vizinhos ao Distrito Federal —, a estimativa é de que serão necessárias mais de 1 milhão de mudas por ano. Quanto ao restante do bioma, não uma previsão.
Apesar de essa necessidade indicar o quanto o cerrado está degrado, ela abre mais uma boa opção para elevar a renda dos agricultores familiares da região. Sem prejuízo à produção agrícola e pecuária, as pequenas propriedades poderão elevar a renda do trabalhador com a produção de mudas.
Segundo José Roberto Peres, a Embrapa Cerrado está empenhada no desenvolvimento de protocolos para a produção de mudas compatíveis com os ecossistemas, pois não basta plantar qualquer espécie. É preciso que as plantas sejam nativas e adequadas à realidade ambiental da área degradada.
Como à instituição faltam viveiristas, os agricultores familiares, com orientação da assistência técnica e extensão rural, desempenhariam esse papel.
Fonte: Rosane Garcia
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