Isto também faz parte da notícia
Por Carlos Brickmann em 17/2/2009
Trata-se de um colunista importante, de um jornal importante. Um leitor lhe escreveu, educadamente, para expor sua opinião contrária à do jornalista a respeito da acumulação de reservas pelo Banco Central. O colunista criticava o volume das reservas; o leitor dizia que, agora (em função da crise econômica), se constatou que a acumulação de divisas valeu a pena. E elogiava, de passagem, a seriedade da equipe do Banco Central, criticada habitualmente pelo colunista.
A resposta veio duríssima: na opinião do jornalista, as reservas eram desnecessárias e caras. "E estúpidas, como as ratazanas neoliberais que infestam o BC". A opinião sobre as reservas, concorde-se ou não com ela, é prerrogativa do colunista; ele tem direito a achar o que quiser, e a dizer o que acha. Mas o insulto aos profissionais do BC, mesmo em carta privada, exigiria uma argumentação muito mais sólida do que o simples xingamento.
O leitor voltou a escrever, dizendo que a resposta o impressionara, por demonstrar falta de isenção e, em vez de avaliar os resultados da política do Banco Central, rotular seus profissionais "de forma leviana e preconceituosa".
O colunista voltou à carga, dizendo que o leitor certamente não era jornalista. Se fosse, estaria morrendo de dar risada com essa "isenção".
O jornalista deve ser honesto, deve buscar as várias faces da história. Dificilmente, embora sua tarefa seja procurar a isenção, conseguirá ser isento (tem opiniões, tem formação, tem idiossincrasias). Mas daí a dar risada da isenção vai uma enorme distância. E um jornalista, acima de tudo, deve evitar a burrice: por que agredir um leitor que lhe propõe civilizadamente uma troca de idéias?
Cadê a carne?
E onde é que o colunista foi buscar as informações acima? A resposta segue no padrão habitual dos meios de comunicação, hoje em dia: teve acesso a elas.
Lemos, adeus
João Baptista Lemos, 82 anos, 63 de jornalismo, morreu agora em fevereiro. Uma das lendas vivas da profissão, Lemos começou a trabalhar na imprensa comunista, logo depois da Segunda Guerra Mundial. Parou por uns tempos e foi jogar futebol no Radium de Mococa – que, em São Paulo, tinha a fama de pior time do estado. Goleiro é profissão difícil até em Seleção; no Radium, era impossível. Voltou então a São Paulo e ao jornalismo. Foi um dos redatores-chefes do lendário Grande Jornal Falado Tupi, dirigiu o jornalismo da TV Excelsior, foi chefe de Reportagem da Folha de S.Paulo, passou um longo tempo no grande Jornal do Brasil. Criou várias gerações de jornalistas (entre eles, por exemplo, José Nêumanne Pinto). Lemos deixou seis filhas, doze netos, uma bisneta.
Para ir atrás
Luís Nassif, em seu blog, dá pistas sobre alguns brasileiros que perderam dinheiro no Caso Madoff:
"O diretor de CRM de um grande portal, por exemplo, perdeu US$ 3.015.431,98 com Zeus-Madoff. Um ex-dirigente do Banco Santos tinha US$ 1.073.435,35 em sua conta. O diretor executivo de TI de uma empresa média de informática tinha fabulosos US$ 13.270.567,51. E uma funcionária de TI da Secretaria da Fazenda de São Paulo US$ 565.129,15."
É visível que Nassif sabe do que está falando, mas não tem como, neste momento, conseguir documentação sobre os casos. Cabe aos meios de comunicação, com equipes de reportagem e amplos recursos, ir atrás do tema e desvelar o que for possível. Será complicado: gente que tem esse volume de dinheiro aplicado no exterior tem também influência e conhecimentos, e fará tudo para impedir que suas histórias sejam divulgadas. Além disso, é muito provável que boa parte das aplicações não tenha sido declarada – outra confusão. Mais uma confusão? Uma funcionária pública, ou terceirizada, cheia de dinheiro – de onde saiu? Mas é um assunto que não pode ser jogado para debaixo do tapete.
O mundo como ele é
Marcos Hummel, grande jornalista, um dos melhores apresentadores de nossa TV, traz-nos uma história real, que mostra como os fatos podem ser apresentados das mais diversas maneiras.
Judy Wallman, pesquisadora americana de genealogia, montou sua árvore genealógica, e descobriu que seu tio-bisavô Remus Reid era também ancestral do senador Harry Reid, democrata de Nevada. O parente comum tinha sido condenado e enforcado por roubo de cavalos em Montana, em 1889. A única foto disponível de Remus Reid era a de seu enforcamento. No verso da foto, a inscrição:
"Remus Reid, ladrão de cavalos, preso na prisão do Território de Montana em 1885, fugiu em 1887, roubou o trem Montana Flyer por seis vezes. Localizado e preso por detetives da Agência Pinkerton, foi condenado e enforcado em 1889".
Judy Wallman enviou e-mail ao senador Harry Reid pedindo informações sobre o parente comum, sem mencionar o que havia descoberto. Recebeu a seguinte mensagem:
"Remus Reid foi um famoso vaqueiro no Território de Montana. Seu império comercial cresceu a ponto de incluir a aquisição de valiosos exemplares de cavalos de raça, bem como um íntimo e profícuo relacionamento com a Ferrovia de Montana. A partir de 1883 dedicou vários anos de sua vida ao serviço do governo estadual. Depois disso, licenciou-se para reiniciar seu relacionamento com a Ferrovia. Em 1887, foi o elemento fundamental em grande investigação conduzida pela famosa Agência de Detetives Pinkerton. Em 1889 veio a falecer durante importante cerimônia cívica realizada em sua homenagem, quando a plataforma sobre a qual estava cedeu logo após seu discurso."
Quando o governo acerta
É uma regra não-escrita, mas real: deve-se evitar ao máximo falar bem de governos, nos meios de comunicação. Há outra regra não-escrita, tão real quanto a primeira: notícia só é notícia quando ocorre na capital. Fora da capital, só se for mesmo uma notícia muito, muito ruim, tragédia pra ninguém botar defeito.
Talvez isso explique porque uma excelente notícia, por todos os pontos de vista, foi minimizada pela grande imprensa: porque mostra que uma boa administração, de uma cidade que não é capital (embora tenha o melhor Índice de Desenvolvimento Humano do país), pode resolver problemas que, na maior parte do Brasil, ainda são crônicos.
A cidade é São Caetano do Sul, na Grande São Paulo; seu prefeito, José Auricchio, do PTB, se reelegeu com quase 80% dos votos válidos, em grande parte por ter colocado a saúde pública para funcionar. A notícia: o sistema de saúde do município oferece cirurgia de redução do estômago para pessoas com obesidade mórbida, tudo de graça (em serviços particulares, só o médico cobra mais de R$ 10 mil, a que se acrescem auxiliar, anestesista, remédios e hospital).
A cirurgia de estômago gratuita não é para todos: apenas para quem corre risco de vida pelo excesso de peso. Quem quiser operar-se por questões estéticas não será atendido. O tratamento não se limita à operação: o paciente é acompanhado por uma equipe multidisciplinar, com médico, nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta, até que adquira novos hábitos de vida. E não é preciso pedir, nem esperar: a porta de entrada do sistema, a UBS, Unidade Básica de Saúde, pode indicar a operação mesmo a pessoas que não saibam que a oportunidade existe, desde que seja o caso de cirurgia.
E a grande imprensa? Parece mais preocupada em saber quem vai para qual partido. Deve haver boas notícias desse tipo pelo país afora que a gente não fica sabendo, porque os meios de comunicação não se preocupam com elas. Quem se importa com a vida e a morte dos consumidores de notícias?
Como...
A notícia sobre o assassínio da amante de um cavalheiro saiu num jornal importante (e é um colar de pedras preciosas):
"Segundo o delegado, o suspeito se mostrou arrependido do que fez (...) Apesar disso, o suspeito foi indiciado por homicídio qualificado por motivo fútil (...) O corpo da vítima ficou cinco dias no freezer sem que ninguém percebesse, embora várias pessoas tenham participado de um culto evangélico na casa".
1. "O suspeito se mostrou arrependido do que fez" – ou seja, ele mesmo já informou que não é suspeito, é o autor.
2. "Apesar disso, o suspeito foi indiciado (...)" – que coisa terrível! Mesmo estando arrependido, só porque matou a amante foi indiciado!
3. O que é que tem a ver o culto evangélico na casa com o corpo no freezer?
...é...
De um portal noticioso ligado a um grande jornal:
** "Eutanásia: médico diz que italiana está `ótima´"
Trata-se do caso Eluana, na Itália, em que a Justiça autorizou os médicos a desligar as máquinas que mantinham a moça viva, em estado vegetativo, há 17 anos. O título foi dado pouco antes da morte de Eluana.
...mesmo?
De um grande jornal, respeitado em todo o país:
** "Ex-espião russo aposta: EUA vão se desintegrar"
Logo abaixo, o subtítulo:
** "Confira a teoria de Igor Panarin, que previu colapso da Rússia em 1998"
Previsão assim não deve ser difícil, considerando-se que a União Soviética se desfez em 1989.
E eu com isso?
O caro colega fica se preocupando com coisas bobas – por exemplo, como é que um sujeito que só fala espanhol fica preso sete meses numa cadeia de São Paulo, dizendo que é mineiro, e os carcereiros acreditam – enquanto há fatos muito mais palpitantes acontecendo no mundo. Um bom exemplo:
** "Rua ganha nome de `Bulevar Consolo´após moradores encontrarem vibradores"
É o "Dildo Boulevard", em Darwin, na Austrália. E não é apelido, não: parece que a mudança de nome é oficial.
** "Luciano Huck, Angélica e filhos flagrados em Angra"
Que estariam fazendo para motivar o flagrante?
** "Taís Araújo passeia com os pais em shopping"
** "Reynaldo Gianecchini e Marcos Mion curtem balada juntos"
E não é nada do que você está pensando, caro colega. Já pensou que tremenda notícia, se isso que está em sua cabeça maliciosa fosse verdade?
** "Beyoncé vai a evento beneficente sem fazer as unhas"
** "Tailândia promove primeira corrida internacional de camas"
O grande título
Ah, a pressão do espaço! É isso que provoca títulos como este:
** "Viúva da Mega-Sena presta depoimento"
Ou este:
** "Viúva do 11 de Setembro está entre as vítimas"
Lembrando certa campanha eleitoral, das mais rumorosas, o 11 de Setembro e a Mega-Sena tinham filhos? Eram casados?
Ah, a pressão do tempo! É isso que provoca títulos como este:
** "Polícia vai investigar de queda de elevador em SP"
Ou como este, o grande título da semana:
** "Nossa Caixa R$ 4 bi a compra de usados"
Legal! Isso quer dizer que há mais crédito? Que o crédito foi reduzido? Que os preços baixaram? Que os preços subiram?
* O autor é Jornalista, diretor da Brickmann&Associados