“DITABRANDA” EM DEBATE
A briga em que todos perdem
* Eugênio Bucci
Hay que "enfurecerse", pero sin perder la "brandura" jamás.
Lá se vão duas semanas do fatídico editorial da Folha de S.Paulo que, após alertar para o risco de tirania que se avoluma na Venezuela, referiu-se de passagem à ditadura militar no Brasil como um regime cujo grau de truculência teria sido relativamente tênue. Por terem preservado ou instituído "formas controladas de disputa política e acesso à Justiça", os governos militares entre 1964 e 1985 teriam pertencido à categoria – até então desconhecida de todos nós – das ditaduras amenas, ou, nos termos do editorial, das "chamadas ditabrandas".
Foi um terremoto no agreste. O neologismo trocadilhesco, meio de pé quebrado, provocou uma erupção vulcânica de cartas à redação. Cartas furibundas. Várias foram publicadas nos dias subseqüentes no "Painel do Leitor" da própria Folha. Entre essas, chamaram bastante atenção, pela contundência, as mensagens dos professores da USP Maria Victória Benevides e Fábio Konder Comparato.
Escreveu Maria Victória:
Mas o que é isso? Que infâmia é essa de chamar os anos terríveis da repressão de "ditabranda"? Quando se trata de violação de direitos humanos, a medida é uma só: a dignidade de cada um e de todos, sem comparar "importâncias" e estatísticas. Pelo mesmo critério do editorial da Folha, poderíamos dizer que a escravidão no Brasil foi "doce" se comparada com a de outros países, porque aqui a casa-grande estabelecia laços íntimos com a senzala – que horror!
Fábio Comparato foi mais duro:
O leitor Sérgio Pinheiro Lopes tem carradas de razão. O autor do vergonhoso editorial de 17 de fevereiro, bem como o diretor que o aprovou, deveriam ser condenados a ficar de joelhos em praça pública e pedir perdão ao povo brasileiro, cuja dignidade foi descaradamente enxovalhada. Podemos brincar com tudo, menos com o respeito devido à pessoa humana.
A ambos, a Folha dedicou uma resposta especial, personalizada, capaz de aturdir boa parte do leitorado:
Nota da Redação – A Folha respeita a opinião de leitores que discordam da qualificação aplicada em editorial ao regime militar brasileiro e publica algumas dessas manifestações acima. Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua "indignação" é obviamente cínica e mentirosa.
O sentido de recapitular
Tenho consciência de que, ao recapitular essas passagens aqui no Observatório, sabidamente freqüentado por leitores muito bem informados sobre as turbulências da imprensa, incorro no velho erro de chover no molhado: transcrevo o que todos já sabem. A recapitulação, contudo, cumpre uma função lógica da qual não tenho como me desviar. Essa função lógica se desdobra em dois planos, como exponho a seguir.
O primeiro desses dois planos é, por assim dizer, de ordem formal: refere-se à periodicidade da minha coluna. Em outras palavras, esse plano de ordem formal é quem justifica que eu trate, só agora, e não antes, de um assunto relativamente envelhecido. Sabemos todos que o discurso jornalístico, mesmo quando crítico ou ensaístico, deve se ocupar de novidades. Por que, então, ocupar-me do já sabido? A resposta é simples: porque, para a periodicidade da minha colaboração para este site, que se dá de duas em duas semanas, este assunto ainda é perfeitamente atual. O evento ao qual me refiro, por mais que tenha sido debatido em blogs, sites e publicações de todo tipo, inscreve-se rigorosamente no período que separa a minha coluna anterior, do dia 17 de fevereiro, desta aqui, de hoje, dia 3 de março de 2009. Por isso esperei para falar só hoje. Só aqui, neste Observatório, eu poderia desenvolver os pontos essenciais do que tenho a dizer.
Passemos agora ao segundo plano da função lógica que essa recapitulação vem cumprir. Aí não há nada de razões formais, mas de mérito. É preciso recuperar a sucessão desses três lances – o editorial, depois as cartas e, por fim, a resposta em forma de "Nota da Redação" – para demonstrar o que me leva a escrever. Agora, não falo apenas da forma (a periodicidade) que me permite escrever "só agora", mas do mérito que me impele a escrever.
Quanto a esse mérito, é por demais penoso, para mim, ver essas duas palavras, a palavra "cínica" e a palavra "mentirosa", fixarem-se de modo tão ríspido sobre uma atitude pública de Fábio Comparato e Maria Victória Benevides. Mais penoso ainda seria silenciar diante disso. Por que tanta violência contra eles? O próprio ombudsman da Folha, Carlos Eduardo Lins da Silva, em sua coluna de 22 de fevereiro, ainda que cercado de toda cautela, advertiu:
"Um editorial com referência ao regime militar brasileiro provocou cartas publicadas no Painel do Leitor. Resposta da Redação a duas delas na sexta foge do padrão de cordialidade que julgo essencial o jornal manter com seus leitores."
O termo preciso talvez não fosse "cordialidade", mas urbanidade ou, quem sabe, civilidade. Se não se empenhasse em resguardar as condições para o diálogo, mesmo onde elas pareçam quase impossíveis, é pouco provável que um órgão de imprensa representasse o seu público e influenciasse a sociedade. A lógica defendida por Carlos Eduardo Lins da Silva, portanto, é inatacável porque elementar.
Isto posto, o que chocou na manifestação da Redação foi o ataque deliberadamente pessoal aos dois leitores. O golpe desferido contra eles teve o sentido de expeli-los nominalmente. Haverá, por certo, em defesa da "Nota da Redação", o argumento de que ela apenas reagiu aos termos da carta do professor Fábio Comparato, que já eram pesados, de fato. Qualquer leitor poderá verificar facilmente que o jurista elegeu, em sua crítica ao jornal, alvos personalizados. Ao dizer que "o autor do vergonhoso editorial de 17 de fevereiro, bem como o diretor que o aprovou, deveriam ser condenados a ficar de joelhos em praça pública e pedir perdão ao povo brasileiro", ele atingiu pessoas, mais que uma instituição. Sem dúvida, não foi uma fala cordial. O castigo preconizado pelo grande professor de direito parece inspirado em rituais da Santa Inquisição, e, ainda que irônico, é direcionado contra pessoas de carne osso. Portanto, foi Comparato quem primeiro "fulanizou" a discussão.
Quem ganha?
Em uma coluna no dia 24 de fevereiro, na página A2, sob o título de "Ditadura, por favor", o editor de Brasil da própria Folha, Fernando Barros e Silva, assinalou com todas as letras a sua discordância com o editorial do diário em que trabalha. Rechaçou o termo "ditabranda". Ao mesmo tempo, não deixou de criticar o excesso verbal de Fábio Comparato:
"É bem sintomático, aliás, que, ao protestar contra a `ditabranda´ em carta à Folha, o professor Fábio Konder Comparato, guardião do `devido respeito à pessoa humana´, tenha condenado os autores do neologismo a ficar `de joelhos em praça pública´ para `pedir perdão ao povo brasileiro´. Que coisa. Era assim, obrigando suas vítimas a ajoelhar em praça pública, submetendo-as à autêntica `tortura chinesa´, que a polícia política maoísta punia desvios ideológicos durante a Revolução Cultural. Quem sabe, como a `ditabranda´, seja só um palpite infeliz."
Acontece que, mesmo que se admita que a carta tenha ido além do que seria meramente razoável, o argumento de que o jornal reagiu no mesmo diapasão e, portanto, em "legítima defesa", não procede. Pela simples razão de que, se fossem se pautar pelos padrões de etiqueta do leitorado, os órgãos de imprensa converteriam a ofensa aberta no idioma oficial de suas seções de cartas. Aí, qualquer comunicação com o público perderia a viabilidade.
Cabe ao jornal zelar pelas condições do diálogo, e isso por motivos funcionais, mais que morais, mesmo quando zelar pelo diálogo implica sacrifício de orgulho pessoal de um ou de outro. Não há escapatória. Se deixarem de cultivar e de cultuar o diálogo com o seu público, os órgãos de imprensa perderão seu lugar. Também por isso, o ombudsman tem razão.
Digamos assim: ele tem razão e, não obstante, essa razão que ele tem não resolve coisa alguma. Estamos aí, hoje, às voltas com um bate-boca destemperado e ensandecido. A polêmica assumiu proporções de movimentos radicalizados, de parte a parte. Adjetivos periféricos, ou mesmo marginais, ganharam o relevo de conteúdos centrais. De um lado, a associação entre Fábio Comparato e o maoísmo, um volteio estilístico de Fernando Barros e Silva, adquire aos olhos de muitos o estatuto de verdade factual, o que é apenas absurdo. De outro lado, fala-se que a Folha de S.Paulo protegeu e ajudou a ditadura militar, o que, pelo menos a partir do limiar da década de 1980, está longe, muito longe de ser verdade. Caímos numa discussão enlouquecida do acessório, enquanto o principal foi jogado no lixo.
Quem ganha com a radicalização? Apenas os inimigos da democracia – e entre eles não figuram nem Maria Victória Benevides, nem Fábio Comparato, nem a Folha de S.Paulo. Essa briga, do jeito que ficou montada, é um desastre. É um desastre sem lastro de verdade.
Um grande brasileiro
Pelos motivos que já expus, penso que o professor Fábio Comparato exagerou na carta que enviou ao jornal. Como educador enérgico que sempre foi, talvez ele tenha agido como quem quer passar um pito. Errou a mão, ao menos no meu modo de ver, mas isso não o diminui em nada – nem faz dele um stalinista. Considero Fábio Konder Comparato um dos maiores brasileiros vivos. Como jurista, como professor, como exemplo de coerência, tenho em sua figura, há quase trinta anos, um modelo de retidão, de inteligência, de dedicação ao ensino e ao interesse público.
Vi mais de uma geração de políticos, jornalistas, advogados, juízes e outros cidadãos de brilho que passaram pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, ser formatada pela figura desse homem de valor imenso, um valor difícil de aquilatar quando o olhamos de perto. Recentemente, dei uma aula na Escola de Governo que ele fundou. Não há como ficar indiferente a essa experiência. A maneira incondicional com que Comparato se empenhou e se empenha na missão de formar lideranças para capacitá-las a trafegar pelos meandros da gestão pública está acima, muito acima da média. Eu me lembro de uma carta que ele me enviou há mais de vinte anos, que guardo até hoje, em que falava de seu projeto "quixotesco" de criar uma escola de governo. Pois ele a criou e ela é hoje uma realidade em várias cidades.
Também não é verdade que Fábio Comparato tenha se calado sobre as brutalidades cometidas pelos regimes de esquerda. Não é verdade. Tenho notícias de que ele e Maria Victória, entre outros, já em 1989, assinaram um documento que foi entregue a Fidel Castro condenando os fuzilamentos de militares cubanos por suposto envolvimento com o narcotráfico. Eles também se manifestaram contra a política do regime chinês em relação ao Tibet. Há inúmeros textos de Comparato em que o compromisso com a defesa da vida humana, acima das ideologias, é claro. Mais que isso, ele infundiu essa mentalidade de defesa da vida em mim e em vários outros, melhores do que eu, que hoje atuam nas mais diversas áreas profissionais. Ele jamais nos ensinou a fechar os olhos para as atrocidades dos regimes de esquerda. Para não falar de modo vago, cito dois trechos de um de seus trabalhos recentes, o livro Ética, publicado em 2006 pela Companhia das Letras, que não deixam dúvida sobre o que ele pensa das tiranias ditas de esquerda. As duas passagens estão na página 347:
"Os Estados comunistas descambaram, todos eles, para a institucionalização do abuso de poder, chegando mesmo, alguns deles, ao totalitarismo."
(...)
"A questão central da relação de poder, no seio da sociedade, não é a de se saber como suprimi-la, mas sim a outra, muito mais delicada e complexa, de se instituir um eficiente sistema de controle do poder, em todos os setores – econômico, político, religioso, cultural etc. –, por aqueles que devem a ele submeter-se. Mas essa questão, lamentavelmente, não foi enfrentada por Marx."
A esquerda brasileira, desgraçadamente, tem os seus oportunistas, seus ladrões, tem os cínicos, os mentirosos, gente que protege a bandalheira e nela se lambuza, os tipos mal-intencionados que transformam em atos de heroísmo os crimes comuns e vulgares praticados pelos apaniguados. Tudo isso é fato. Mas Maria Victória Benevides e Fábio Konder Comparato sempre foram e continuam sendo o oposto disso. Não há registros de que tenham se dobrado aos encantos do poder – de direita ou de esquerda. Não há indicadores de vantagens materiais que lhes tenham sido entregues pela adesão a uma causa. São brasileiros que engrandecem este país e esta gente. Você pode discordar deles e de alguns arroubos que podem cometer, como qualquer um de nós. Mas não se pode desqualificá-los sumariamente. Eles não são cínicos nem mentirosos. Eles são maiores, muito maiores.
Esquisitices e irregularidades
Quando digo que essa briga é um desastre, penso nas radicalizações que empalidecem ou mesmo soterram a verdade e conduzem os contendores à escuridão. Voltemos o nosso olhar para o outro lado dessa torcida armada, voltemos o nosso olhar para o lado que agora ataca ferozmente a Folha de S.Paulo. O que vemos? Vemos um turbilhão que quer caracterizar a Folha como um pilar da ditadura – ou, pior, da "ditabranda". Cair nessa armadilha retórica é uma temeridade – e até mesmo os melhores, quando movidos pela raiva repentina, embarcam nessa falácia.
Eu era estudante de direito e de jornalismo quando militava numa organização trotskista, a OSI (Organização Socialista Internacionalista). Devia ser 1980, talvez 1981. Cabia a mim secretariar uma célula da organização na Faculdade de Direito da USP. Uma manhã, indo a pé da Rua Riachuelo para o Largo de São Francisco, passei por uma banca de revistas e vi lá uma edição da Folha da Tarde com uma chamada que me desconcertou. Eles publicavam na íntegra o estatuto da OSI. Aquilo era produto de espionagem policial, coisa de alcagüetagem, não de reportagem. O que senti na época é que ali estava um diário a serviço da repressão, não do leitor, não do cidadão. Isso eu vivi e isso é verdade.
Outra coisa é a Folha de S.Paulo. Ela é, de fato, um dos melhores jornais do país, por qualquer critério que se queira analisá-la. Em 1984, ao abraçar a campanha pelas Diretas Já, a Folha desmistificou essa história de neutralidade jornalística. Não há neutralidade entre a democracia e a ditadura. Nesses casos, a imprensa tem, sim, um partido: o partido da liberdade. Fora da liberdade, a imprensa morre. As reportagens de Ricardo Kotscho marcaram época – e com justiça. Depois, em 1992, poucos enfrentaram a corrupção do governo Collor com tanta coragem quanto a Folha de S.Paulo, que chegou a receber invasões de policiais em sua sede, com atitudes de intimidação inimagináveis, além de sofrer processos ameaçadores, conduzidos por má fé e por outras baixezas.
A Folha modernizou o jornalismo no Brasil como poucos outros jornais. Alguns falam mal dos seus "manuais de redação", mas, em que pesem seus excessos, eles trouxeram mais parâmetros de mais objetividade e mais olhar crítico para o repertório da imprensa. A Folha radicalizou corajosamente a sua própria transparência interna. Investiu com tudo na instituição do ombudsman. Adotou a pluralidade como regra e, ainda hoje, talvez seja o jornal que mais longe leva o princípio da pluralidade de opiniões – tanto que publica não apenas as cartas dos leitores que divergem agressivamente de seus editoriais como dá lugar à opinião dissidente de um de seus editores.
A Folha não é "a direita", como dizem. Ela publica também a direita, mas publica a esquerda e o centro: espelha o debate público na ebulição de suas esquisitices e de suas irregularidades. Nesse sentido, a Folha faz bem em não admitir que ninguém lhe diga o que ela deve fazer ou deixar de fazer. Ela ergue acima de tudo a bandeira de sua própria independência e, assim, realiza a razão de ser da imprensa e cumpre seu papel.
Uma briga desastrosa
O que assinalo aqui são fatos, não são opiniões. A democracia brasileira deve muito à Folha de S.Paulo e à conduta jornalística que ela adotou de 1984 para cá, pelo menos. Não reconhecer isso é um erro crasso. E perigoso. Repito: isso é história, são fatos transitados no curso do tempo. Temos de ter o mínimo de abertura intelectual para nos dar conta da dimensão desses fatos e extrair deles o seu devido sentido.
Por tudo isso, essa briga toda é um desastre. Vão perder com ela os intelectuais minimamente honestos e vai perder a Folha. A "Nota da Redação" contra Fábio Comparato e Maria Victória é um ponto fora da curva – e deveria ser tratada como tal. A adoção do termo "ditabranda" é um "palpite infeliz", no dizer de Fernando Barros e Silva – e deveria ser tratada como tal.
Para falar a verdade, quando li aquele editorial, eu nem fiquei tão abespinhado assim. Essa história de "ditabranda" soou, para mim, como um remake piorado de algo que dizíamos no movimento estudantil do meu tempo, num trocadilho que já me parecia meio pobre de imaginação: em vez de ditadura, falávamos "ditamole". Sem graça, por certo, mas era o que falávamos. Zombar da ditadura era um esporte estudantil bastante difundido naquela virada dos anos 1970 para os 80.
Em 1983, participei de uma chapa para o Centro Acadêmico "XI de Agosto", chamada "The Pravda" (que por acaso ganhou duas eleições seguidas), que se referia ao regime militar como "Remil". Era uma piada que fazíamos para espicaçar o que restava de rabugice autoritária naquele cadáver da ditadura e também de caçoar da mania de siglas tão difundida na administração federal. Era uma febre pavorosa, que, não por acaso, persiste até hoje. Brasília é a Meca das siglas, uma obsessão burocrática que atravessa os governos sem dar sinais de enfraquecimento. Siglas são sinônimos de eficiência administrativa num mundo sem administração democrática.
Mas agora, como já disse um leitor, parece que "o caldo entornou". De um lado e de outro, temos gente que tem razão brandindo argumentos sem razão. Sei que o alerta que lanço aqui não vai levar a nada. Sei que vou ser fuzilado pelos dois lados, como sói acontecer. Não importa. Digo que há mais em comum entre a história da Folha e a trajetória de Fábio Comparato e Maria Victória Benevides do que entre a Folha e a selvageria dos que agora jogam lenha nessa fogueira insensata. Um pouco de calma, um pouco de juízo, um pouco de humildade e as coisas teriam sido diferentes. Mas talvez seja tarde.
A fúria, assim como o furor, é uma emoção compreensível – mas a brandura talvez pudesse nos aconselhar um pouco. Entre nós foi sempre assim: a chegada do colonizador foi mais branda, a proclamação da independência passou lisa, a abolição da escravatura não nos custou uma guerra civil, a república brotou de meia dúzia de gritos... até a ditadura militar – por que não? – foi "menos pior" que outras, ainda que tenha sido infame e inaceitável. Será que só as nossas brigas irracionais precisam ser tão sanguinárias, tão incendiárias, tão alucinadamente inúteis?
* O autor é jornalista, professor da Escola de Comunicações e Artes e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP