ARTIGO
AMADORES PROFISSIONAIS
AMADORES PROFISSIONAIS
* Luciano Pires
Nunca toquei violão direito, só arranhei, mas meu sonho era ter um da marca Ovation. Eu achava que com ele eu tocaria pra valer. Um dia liguei para meu amigo músico Chiquinho para perguntar onde poderia comprar um e ele me disse que estava vendendo o dele. Comprei na hora. Lindo. Levei para meu escritório e coloquei num tripé. É como um troféu. De quando em quando dou uma dedilhada.
E é sempre um horror.
Cordas de aço duras, que doem os dedos de quem não tem prática. E logo desisto. Devolvo o troféu para seu pedestal. As cordas estão velhas, meio enferrujadas e o som nunca sai bom.
Pois recebi a visita de um amigo, o Nuno Mindelis. Para quem não o conhece, Nuno nasceu em Angola mas vive no Brasil desde menino. É um grande guitarrista. Na verdade, está entre os maiores guitarristas de blues do mundo. Toca ao lado de BB King, da banda de Stevie Ray Vaugahn e outros grandes nomes nos festivais mundo afora. No Brasil do Créu, claro, é pouco conhecido. E nada reconhecido.
Quando o Nuno viu meu Ovation, não teve dúvidas, mandou bala num blues delicioso. E depois “Give Me Love” de George Harrisson... E fez-se a mágica. O violão, que não me dá a menor bola, entregou-se todo ao Nuno. As velhas cordas soaram magistralmente. Meu Ovation cantou feliz! Assisti ao momento mágico quando o artista e seu instrumento tornam-se uma coisa só e produzem... arte. Que experiência...
Então lembrei do Helder contando uma experiência que viveu jogando futebol society. Um dia apareceu no campinho o Mário Sérgio, ex-craque da Seleção Brasileira. O Helder conta que Mário entrou em campo, alguém passou-lhe a bola e ele chutou para o gol.
– Cara, o som do chute não fez aquele “tum”da gente. Fez pufffffff. O desgraçado chuta afinado...
Pois é... Profissionais. Gente que transforma o mesmo violão que não soa bem comigo e a mesma bola que nunca sai redonda de meus chutes, em ferramentas mágicas.
Mas de onde vem essa mágica, hein? Da habilidade?
Mario e Nuno levaram o domínio de sua técnica para patamares que poucos atingem. Mas é mais que isso.
Nuno e Mario – assim como outros artistas – mantêm intacto o amor pelo ofício que os levou a escolher suas profissões. Por causa desse amor, a bola e o violão deixam de ser meros objetos bem manipulados.
Ganham vida. Ficam felizes. O violão canta. E a bola sussura afinada...
Em 1976 levei meus cartuns amadores para apresentar ao Zélio Alves Pinto, um artista profissional. O Zélio olhou os cartuns de um jeito diferente, um dia contarei essa história. Mas uma coisa que ele disse me marcou:
– Luciano, você tem que encontrar seu traço.
O meu traço. O jeito de desenhar que daria a meus cartuns um estilo único e inconfundível. E, daquele dia em diante, virei noites na busca de meu traço. Lembro-me do frio na barriga no dia em que percebi que eu o havia encontrado...
Não se tratava de “desenhar bem”, era mais que isso...
Deve ter sido o mesmo frio na barriga que Mario Sérgio teve quando “afinou” o chute. Que o Nuno teve quando o violão cantou para ele pela primeira vez.
Nuno Mindelis e Mario Sérgio são amadores. Mas não no sentido pejorativo que demos ao termo, transformado em sinônimo de quem faz as coisas “meio bem”. Nuno e Mario tornaram-se amadores profissionais.
E só então eu entendi o que aconteceu... O Nuno não tocou meu Ovation. Fez amor com ele.
Helder, o Mario Sérgio não chutou a bola. Fez amor com ela.
É assim que se produz a mágica.
Nunca toquei violão direito, só arranhei, mas meu sonho era ter um da marca Ovation. Eu achava que com ele eu tocaria pra valer. Um dia liguei para meu amigo músico Chiquinho para perguntar onde poderia comprar um e ele me disse que estava vendendo o dele. Comprei na hora. Lindo. Levei para meu escritório e coloquei num tripé. É como um troféu. De quando em quando dou uma dedilhada.
E é sempre um horror.
Cordas de aço duras, que doem os dedos de quem não tem prática. E logo desisto. Devolvo o troféu para seu pedestal. As cordas estão velhas, meio enferrujadas e o som nunca sai bom.
Pois recebi a visita de um amigo, o Nuno Mindelis. Para quem não o conhece, Nuno nasceu em Angola mas vive no Brasil desde menino. É um grande guitarrista. Na verdade, está entre os maiores guitarristas de blues do mundo. Toca ao lado de BB King, da banda de Stevie Ray Vaugahn e outros grandes nomes nos festivais mundo afora. No Brasil do Créu, claro, é pouco conhecido. E nada reconhecido.
Quando o Nuno viu meu Ovation, não teve dúvidas, mandou bala num blues delicioso. E depois “Give Me Love” de George Harrisson... E fez-se a mágica. O violão, que não me dá a menor bola, entregou-se todo ao Nuno. As velhas cordas soaram magistralmente. Meu Ovation cantou feliz! Assisti ao momento mágico quando o artista e seu instrumento tornam-se uma coisa só e produzem... arte. Que experiência...
Então lembrei do Helder contando uma experiência que viveu jogando futebol society. Um dia apareceu no campinho o Mário Sérgio, ex-craque da Seleção Brasileira. O Helder conta que Mário entrou em campo, alguém passou-lhe a bola e ele chutou para o gol.
– Cara, o som do chute não fez aquele “tum”da gente. Fez pufffffff. O desgraçado chuta afinado...
Pois é... Profissionais. Gente que transforma o mesmo violão que não soa bem comigo e a mesma bola que nunca sai redonda de meus chutes, em ferramentas mágicas.
Mas de onde vem essa mágica, hein? Da habilidade?
Mario e Nuno levaram o domínio de sua técnica para patamares que poucos atingem. Mas é mais que isso.
Nuno e Mario – assim como outros artistas – mantêm intacto o amor pelo ofício que os levou a escolher suas profissões. Por causa desse amor, a bola e o violão deixam de ser meros objetos bem manipulados.
Ganham vida. Ficam felizes. O violão canta. E a bola sussura afinada...
Em 1976 levei meus cartuns amadores para apresentar ao Zélio Alves Pinto, um artista profissional. O Zélio olhou os cartuns de um jeito diferente, um dia contarei essa história. Mas uma coisa que ele disse me marcou:
– Luciano, você tem que encontrar seu traço.
O meu traço. O jeito de desenhar que daria a meus cartuns um estilo único e inconfundível. E, daquele dia em diante, virei noites na busca de meu traço. Lembro-me do frio na barriga no dia em que percebi que eu o havia encontrado...
Não se tratava de “desenhar bem”, era mais que isso...
Deve ter sido o mesmo frio na barriga que Mario Sérgio teve quando “afinou” o chute. Que o Nuno teve quando o violão cantou para ele pela primeira vez.
Nuno Mindelis e Mario Sérgio são amadores. Mas não no sentido pejorativo que demos ao termo, transformado em sinônimo de quem faz as coisas “meio bem”. Nuno e Mario tornaram-se amadores profissionais.
E só então eu entendi o que aconteceu... O Nuno não tocou meu Ovation. Fez amor com ele.
Helder, o Mario Sérgio não chutou a bola. Fez amor com ela.
É assim que se produz a mágica.
* Luciano Pires é um profissional de comunicação, jornalista, escritor, palestrante e cartunista. email: luciano@lucianopires.com.br
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